Renata Albuquerque*
“Será lindo que o mundo todo saiba que temos [entre nós, mulheres,] poetisas declamadoras, cientistas, escultoras pianistas, engenheiras, professoras, médicas, advogadas, e em futuro não muito distante, até constituintes”.
O trecho acima foi recolhido pela antropóloga Mariza Corrêa; foi originalmente publicado no ano de 1931, pela Revista A Esquerda¹ e nos auxilia a perceber o quão antigas são as angústias em relação à atuação da mulher na vida pública do país. A primeira mulher a fazer parte do parlamento brasileiro foi Carlota Pereira de Queirós, eleita em 1933 para ser membro da Assembléia Constituinte Nacional. Carlota era a única mulher entre 254 Deputados Federais. Hoje, em 2011, as mulheres são cerca de 9,5% do Parlamento brasileiro, apesar se sermos cerca de 50% da população do país.
O espanto causado por esses números com certeza é maior entre aquelas/es que participam ou conhecem algum movimento social atuante em nosso país, que em geral são espaços em que é possível notar com facilidade a atuação determinante de um sem número de mulheres que dedicam sua vida à luta cotidiana por um mundo mais justo, mais igual, menos opressor.
A tod@s que conhecem o protagonismo político real das mulheres, no seio dos inúmeros movimentos sociais brasileiros que figuram o cenário político-social nacional, deve ter causado especial estranheza a declaração do senador Demóstenes Torres (DEM-GO) que, quando da aprovação na Comissão de Reforma Política do Senado da cota de 50% de mulheres para as eleições proporcionais, afirmou que o número era excessivo, que já havia grande dificuldade em “preencher” os 30% anteriormente estabelecidos. De acordo com o senador, o difícil era o “recrutamento” de mulheres pelos partidos, que não conseguiriam cumprir suas cotas².
Enquanto mulher e militante política, mas antes disso, enquanto cidadã brasileira, me pergunto o porque de tanta dificuldade de alguns partidos em “recrutarem” mulheres para “preencherem” vagas. As respostas não são nada animadoras. Ainda hoje a representatividade das mulheres na política, quando tratada, é vista por muita gente como uma mera formalidade ou artificialismo. O público e o político permanecem sendo, no imaginário social, um espaço masculino – e a presença das mulheres incomoda.
Mas se estamos nos movimentando em nossos bairros, nas escolas dos nossos filhos, nas nossas universidades, nos grêmios das nossas escolas; por terra, por trabalho, por creches, por educação, por saúde e – ainda hoje – pelo direito de existir com dignidade, sem sermos violentadas; se somos tantas em tantos movimentos, porque não estamos atuando também nas instâncias de poder do nosso país? Porque não estamos legislando, representando nossas lutas no Parlamento nacional?
O espaço aberto pelas discussões em torno da Reforma Política permite que façamos essas discussões mais a sério. A ex-Deputada Federal pelo PSOL do Rio Grande do Sul, Luciana Genro, já disse que “nossa luta na reforma política tem que ser para que as forças vivas da sociedade possam se expressar nos processos eleitorais”³. Seguindo esse princípio, defendemos que nossas bandeiras e nossas lutas estejam representadas por nós mesmas, mulheres, na Câmara e no Senado nacional. Nós somos parte pulsante da “força viva da sociedade”, e nossa atuação deve se expressar também nos processos eleitorais.
O estabelecimento de cotas para mulheres no cenário político é um primeiro passo que, antes de resolver, revela um problema que já há muito tempo é discutido pelos movimentos feministas, o problema do caráter privado da vida e da atuação da mulher.
Sem querer estender muito o assunto (que demanda outro comentário só para si), nunca é demais lembrar do lugar historicamente construído para as mulheres: o lugar do privado, a casa. Já é tempo de novos espaços serem construídos por nós, mulheres, militantes, ativistas, agente políticas do nosso dia-a-dia. Qualquer Reforma Política feita em nosso país deve ter como finalidade a expansão da democracia; deve estar lastreada às demandas populares, às lutas e à realidade dos movimentos sociais. De resto, não é a Reforma Política que queremos, é a simples e (infelizmente) já conhecida reprodução dos privilégios dos poucos barões do nosso país. É por caminhos que nos levam a uma sociedade mais igualitária que queremos caminhar.
* Renata Albuquerque é cientista social, militante do movimento Juntas e do PSOL.
9 de jul. de 2011
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