(Do portal A Crítica)
A recente reintegração de posse de um lote de 2,6 milhões de metros quadrados e de outro de 4,4 milhões de metros quadrados onde vivem aproximadamente 500 famílias rurais pode ser o prenúncio do acirramento de um conflito agrário que já se desenrola há mais de dez anos. A área fica localizada no interior do município de Itacoatiara (a 175 quilômetros de Manaus).
Segundo a coordenação da Comissão Pastoral da Terra (CPT), apesar da decisão judicial do último dia 25 de outubro que determina a desocupação em 15 dias de uma área onde estão localizadas as comunidades Nossa Senhora de Aparecida do Jamanã, Rondon I e II, Jesus é Meu Rei e Lago do Serpa, as famílias estão dispostas a continuar na área.
Tanto a CPT quanto o Instituto de Terras do Amazonas (Iteam) contestam a extensão da área defendida pela autora da ação que solicitou a reintegração de posse.
Segundo estes órgãos, Jussara Maia Haddad, é de fato proprietária de lotes naquela área, mas o tamanho apresentado por ela nos títulos registrados em cartório está incorreto.
Policiamento
O mandado de cumprimento de sentença determinando a reintegração de posse foi assinado pela juíza Ana Lorena Teixeira Gazzieneo, da comarca de Itacoatiara. A decisão atendeu pedido em nome de Águila de Aguiar e Souza, mãe de Jussara.
Ao portal acrítica.com, Ana Lorena informou que sua decisão apenas pediu o cumprimento de uma decisão que já havia sido proferida em 2000 e confirmada em 2005 e que ainda não havia sido cumprida.
Na decisão, Ana Lorena estabeleceu um prazo de 15 dias para que “eventuais família não sejam tomadas de surpresa por ocasião do corte de energia ora determinado e tenham tempo suficiente para se retirarem espontaneamente do local”.
A juíza disse que chegou a visitar algumas comunidades e viu “poucas famílias habitando em casas muito boas”.
Em documento assinado no dia 19 de outubro, a juíza solicita da Comandante Geral da Polícia Militar requisitando reforço policial para dar cumprimento à ordem de reintegração.
Ouvidoria
A CPT no Amazonas contesta a legitimidade da reintegração de posse. Segundo Marta Valéria Cunha, coordenadora da CPT, a área reivindicada em nome de Águila de Aguiar Souza não compreende toda a extensão citada na sentença judicial.
“Ali é uma área de vários particulares. Tem até terras do governo do Estado. O problema é que o Estado nunca fez mapa plotado daquela área dizendo quais áreas são de quem”, disse Marta.
Marta Valéria também responsabiliza o Estado, por meio Iteam, pela morosidade em resolver a situação fundiária.
“Houve pedido de indenização, mas como vai ser feito isso se não existe um perímetro definido? As comunidades, por exemplo, estão localizadas em áreas privadas de outras pessoas”, disse Marta, que vai a Itacoatiara nesta terça-feira (08) solicitar uma audiência com a juíza Ana Lorena.
A preocupação com o destino das famílias e o clima hostil que vem sendo identificado entre os envolvidos no caso levou o CPT a pedir intervenção da Ouvidoria Agrária Nacional, vinculado ao Ministério do Desenvolvimento Agrário.
No último dia 03 de novembro, o ouvidor agrário, Gercino José da Silva Filho, enviou ofício à juíza Ana Lorena solicitando audiência de conciliação.
No documento, Gercino José solicita, na hipótese da juíza deferir o pedido, a suspensão do cumprimento do mandado de reintegração de posse até a data da audiência de conciliação, na qual um membro de Comissão Nacional de Combate à Violência no Campo, presidida por ele, comparecerá na data e hora da audiência designada visando colaborar com a resolução do conflito agrário estabelecido.
Ana Lorena disse ao portal que recebeu o documento da Ouvidoria Agrária, mas que não pretende realizar a audiência de conciliação.
Segundo ela, uma possibilidade de acordo ocorreria apenas se as “partes legítimas” envolvidas solicitassem.
Desapropriação
Procurada pela reportagem, a assessoria jurídica do Iteam admitiu que a situação nas comunidades da zona rural de Itacoatiara é um impasse muito complicado de resolver.
A procuradora Geyza Mitz disse que, no passado, houve uma tentativa de executar uma desapropriação da terra em favor dos posseiros, mas que Jussara Maia Haddad não aceitou os valores propostos pelo governo do Estado.
Conforme Geyza, que não citou o valor, Jussara exigiu uma indenização “muito acima” do que o Estado propôs.
Ela informou que, por conta deste impasse, nunca foi realizado levantamento topográfico na área para identificar o que, realmente, pertence à Jussara e a outros proprietários e até mesmo ao Estado do Amazonas.
“Existe uma situação jurídica, política e social. A gente está tentando resolver de todas as formas, apesar do Iteam não fazer parte deste processo. A gente está atrás do governador para ver como resolvemos isso, entrar com uma nova ação, por exemplo, na tentativa de resolver um conflito”, disse Geyza.
Em uma matéria publicada no site do Iteam, o então presidente do órgão, Sebastião Nunes, já vinha tentando solucionar este caso. A nota contextualiza todo o processo fundiário e pode ser consultado no site do Iteam.
Atentado
O agravamento do conflito pode ser comprovado com um episódio ocorrido no último dia sábado (05). A professora Raimunda Barbosa, 59, liderança da comunidade Nossa Senhora de Aparecida do Jamanã, sofreu um atentado e foi ameaçada de morte por um motoqueiro não identificado.
Raimunda, que também é agente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), é uma das destacadas lideranças que se manifestaram contra a decisão judicial e a saída das famílias das áreas. Raimunda mora em Jamanã há 17 anos.
A agressão contra Raimunda aconteceu na manhã do último sábado (09) quando ela se dirigia da sede de Itacoatiara até a sua comunidade, em uma motocicleta.
“Quando entrei num ramal um homem se aproximou e começou a me espancar. Cheguei a cair da moto, mas consegui escapar. Ele foi embora mas antes me ameaçou dizendo que ‘chegara minha vez´. Quando cheguei em casa, meu marido estava no roçado. Ainda conseguimos ver uma pessoa estranha no quinta. Ele tinha conseguido tirar o parafuso na porta de casa”, disse Raimunda, que registrou boletim de ocorrência na Delegacia de Itacoatiara.
*Fonte: Comissão Pastoral da Terra (CPT)
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