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por Juliano Medeiros - 08/01/2014
Síria e Maranhão
Uma macabra coincidência aproximou Brasil e Síria essa semana. Enquanto os jornais brasileiros estampavam notícias que davam conta da decapitação de vários detentos do complexo penitenciário de Pedrinhas, no Maranhão, as agências internacionais divulgaram a informação de que quinze rebeldes sírios foram decapitados por militantes jihadistas. Nas últimas semanas, quase 300 rebeldes foram mortos em conflitos envolvendo diferentes setores da oposição ao governo de Bashar al Assad. Enquanto a opinião pública brasileira se horroriza com a violência no Maranhão, o derramamento de sangue na Síria cobra um posicionamento dos que acreditaram que ali se desenrolava uma “revolução”.
Dentro de alguns dias a Guerra Civil na Síria completará três anos. A data coincide com o anúncio da retirada do primeiro carregamento de material para a produção de armas químicas da Síria, como parte da missão conjunta da ONU e da Organização para a Proibição de Armas Químicas (aliás, contrariando o que anunciaram várias agências de desinformação ocidentais, o carregamento não é composto de armas, mas de material bruto para a produção de gás tóxico). No momento em que a celebrada “Primavera Árabe” deságua na reação violenta e autoritária de novas e velhas forças conservadoras é preciso questionar àqueles que se empenharam em apoiar os bandos em luta contra Damasco: afinal, onde está sua “revolução”?
Que o governo da família Assad não representa um projeto que mereça a defesa de qualquer democrata é uma obviedade. Mas daí outorgar apoio a grupos armados e financiados por potências estrangeiras – da ditadura saudita aos países-membros da OTAN – revelou-se um tremendo erro. Esse equívoco partiu de uma leitura correta a priori: a de que a primavera árabe, iniciada com a deposição de Ben Ali, na Tunísia, se alastraria por vários países da região que compartilhassem o autoritarismo, a corrupção e a crise econômica como realidade. Sem dúvida, o processo teve um potencial revolucionário, sobretudo no Egito e na própria Tunísia. O erro, porém, foi considerar que os levantes, por terem uma origem comum, teriam necessariamente o mesmo desfecho. No próprio Egito, onde a Irmandade Muçulmana capitalizou parte do descontentamento popular para vencer as eleições de 2012, a ofensiva das forças mais reacionárias e violentas do país tem impedido a reorganização de uma saída efetivamente popular. Na Líbia, onde parte da esquerda proclamou a existência de uma “revolução”, a queda de Kadafi redundou num regime miliciano cuja crise se expressa nos conflitos tribais, na ameaça de secessão da outrora valorosa Benghazi e na crescente influência dos radicais islâmicos. Noutros países, como Iêmen e Bahrein, as lutas populares resultaram em acordos e saídas “prussianas” ou simplesmente arrefeceram diante da regressão geral dos levantes noutros países.
Assim, ao analisarmos os resultados parciais dos extraordinários eventos ocorridos no norte da África e no Oriente Médio, veremos que eles estão longe daqueles esperados por muitos dos que apoiaram indiscriminadamente verdadeiras insurreições populares e levantes conduzidos por mercenários armados e financiados por interesses estrangeiros. Analisar criticamente o resultado parcial de três anos de guerra civil na Síria, no entanto, não significa condenar toda a Primavera Árabe. Ela foi fundamentalmente positiva, embora esteja atravessando seu momento mais difícil. Como toda luta de classes, ela é historicamente indeterminada. O que podemos afirmar com certa segurança, é que no caso da Síria ao invés de uma revolução, o que surgiu foi uma sangrenta guerra civil, confirmando a profecia daqueles que, corretamente, desconfiavam dos dissidentes que assumiram a liderança da oposição a Assad.
O processo sírio é desse ponto de vista o mais trágico, já que ainda hoje podemos ver partidos e organizações da esquerda brasileira defendendo os “revolucionários” agrupados em torno da Coalizão Nacional Síria e do Conselho Nacional Sírio, principais grupos de oposição a Assad. Esses grupos discutem agora a possibilidade de participarem da Conferência de Paz que será realizada no final do mês, em Genebra, expondo ao ridículo as esperanças dos que confiaram na vocação revolucionária dos rebeldes sírios. Que existem setores progressistas, democráticos e independentes na oposição síria não há dúvida. Mas que esses setores possam tomar a dianteira da Guerra Civil em curso, dando a ela uma saída revolucionária, parece uma ingenuidade.
Quando o Brasil se horroriza com a violência no presídio de Pedrinhas, no Maranhão, vale lembrar que as imagens de presos decapitados divulgadas essa semana são “brincadeira de criança” perto da barbárie desencadeada tanto pelos “revolucionários” sírios quanto pelas milícias leais a Assad. Na Síria, a revolução tornou-se carnificina e não há lado nessa guerra que mereça o apoio de verdadeiros socialistas.
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