Mais um sete de setembro foi comemorado. É a data em que formalmente celebramos a chamada independência do Brasil em relação a Portugal.
Para muitos historiadores, o movimento obedeceu muito mais à lógica de acomodação de interesses da própria aristocracia luso brasileira - tendo à frente a dinastia dos Orleans e Bragança - do que a afirmação de um projeto de nação que pudesse de fato nos tornar independentes.
Portugal, em 1822, era um país inteiramente subordinado economicamente à Inglaterra e o nosso destino - depois da proclamada independência - seguiu esse mesmo caminho.
O Império, pode-se afirmar em sua defesa, nos deixou como legado importante para uma nação nascente a unificação territorial do país e a consolidação de nossas fronteiras ampliadas. O custo foi o esmagamento de revoltas populares regionais, nos mais diferentes pontos do país.
A proclamação da República, por sua vez, em 1889, obedeceu à lógica dos interesses oligárquicos de uma burguesia agrícola e mercantil que se dividia entre a ordem escravocrata e a pressão abolicionista, sob influência dos interesses da Inglaterra. Mais uma vez, a idéia de uma nação efetivamente soberana não conseguia ultrapassar a mera retórica dos políticos e militares de plantão.
Somente em 1930, na esteira da crise capitalista de 1929 e da conseqüente falência do processo de importação de bens a partir das receitas das exportações agrícolas e de matérias-primas, começamos a dar os primeiros passos para a afirmação de estruturas econômicas e institucionais próprias de um país independente e republicano.
O percurso histórico que experimentamos a partir de então foi marcado por fortes tensionamentos. Nos anos trinta, na tentativa de contra-reforma da oligarquia paulista, através da guerra civil de 1932, e, depois de conflitos de diferentes matizes, na ditadura do Estado Novo.
Posteriormente, ao final da segunda grande guerra, e com os primeiros passos iniciados para uma industrialização tardia do país, o principal embate político se deu entre as correntes majoritárias que se reivindicavam como desenvolvimentistas.
Essas correntes acreditavam que somente um acelerado processo de crescimento econômico e de industrialização poderia nos retirar do estágio de subdesenvolvimento em que nos encontrávamos. Como principais pólos antagônicos, dentro dessa estratégia desenvolvimentista, encontravam-se, de um lado, o desenvolvimentismo-nacionalista - defensor de uma industrialização planificada e fortemente apoiada por empreendimentos estatais; em oposição a essa corrente, o desenvolvimentismo não-nacionalista, que, por sua vez, defendia um processo de industrialização para o Brasil em ritmo compatível ao chamado equilíbrio macroeconômico, com forte participação dos capitais estrangeiros.
O golpe de 1964 representou a consolidação da vitória desta segunda corrente, com todas as implicações de natureza política que marcam o país até meados dos anos 1980, quando o país restabelece um regime de liberdades democráticas formais, especialmente a partir da promulgação da Constituição de 1988.
Entretanto, esse é um momento em que a crise da dívida externa, que explode no início dos anos 1980, ainda se manifesta de forma aguda. Essa referida década, para muitos perdida, encerrou, de fato, aquele ciclo desenvolvimentista, iniciado nos anos de 1930 e que, inclusive, teve decisiva influência para o fim da ditadura.
Os anos 1980 podem ser caracterizados como de disputa. No plano das classes dominantes há uma clara crise de hegemonia de um projeto político que venha a unificá-las; no campo das forças populares há um forte impulso mobilizador, que resulta em saldos organizativos e de consciência bastante importantes. Foi nessa década que o PT e outros partidos populares se firmaram, a CUT e o MST foram fundados e as conquistas democráticas da Constituição de 1988 se deram.
Somente nos anos 1990, e após a eleição e posteriormente ao impedimento de Collor, é que um novo pacto hegemônico começa a se conformar, com a conclusão do processo de renegociação da dívida externa, o lançamento do Plano Real e a eleição de Fernando Henrique Cardoso para a presidência do país, em 1994.
O processo que então se abre impulsiona e consolida uma nova etapa da história econômica, social e política do Brasil.
A adoção da agenda liberalizante ganha hegemonia e sepulta de vez o passado desenvolvimentista do país, ao construir um novo consenso em torno da pauta de reformas ditada pelos interesses do capital financeiro, cristalizando uma unidade programática entre os seus diversos setores - bancos, multinacionais e grandes corporações nacionais.
A exitosa estratégia de redução do processo inflacionário confere as condições políticas para se aprofundar o processo de privatizações, iniciado no governo Collor, e para se avançar nas mudanças constitucionais, jurídicas e institucionais requeridas pela nova ordem.
Porém, sucessivas crises financeiras se abatem em vários países da periferia, no México (1994), na Ásia (1997), na Rússia (1998), na Argentina (2001), e aqui mesmo no Brasil (1999 e 2002), colocando em xeque o modelo implantado. Além disso, profundos impactos no mundo do trabalho, decorrentes da reestruturação produtiva e de suas conseqüências negativas sobre o nível de emprego e de renda dos trabalhadores, amadureceram as condições para uma derrota política e eleitoral do neoliberalismo e das correntes políticas que o representava.
A derrota eleitoral das forças que sustentaram a ofensiva neoliberal no país se deu em 2002. Entretanto, se no plano das eleições a esperança - com a vitória de Lula - venceu o medo, no plano da política uma covarde, ou oportunista, concepção de governabilidade derrotou a esperança.
As forças vitoriosas nas eleições assumiram os termos do acordo firmado pelo governo FHC com o FMI e mantiveram o país na rota da abertura financeira e na subordinação da política macroeconômica às pressões do sistema financeiro nacional e internacional.
A conjuntura econômica mundial, contudo, e particularmente os efeitos da expansão asiática - sobretudo chinesa - nessa primeira década do século XXI permitiu que o saldo da balança comercial brasileira se ampliasse, conferindo às contas externas brasileiras uma folga importante e um resultado positivo às transações correntes do país entre os anos de 2003 e 2007.
Esse processo permitiu ao governo Lula ampliar os programas compensatórios de transferência de renda aos mais pobres, manter a política de reajustes reais ao valor do salário-mínimo e criar condições para a ampliação dos mecanismos de crédito aos consumidores e às empresas.
Criou-se, principalmente, a ilusão de que estamos vivendo um processo virtuoso de desenvolvimento e distribuição de renda. Para tanto, foi muito importante, também, a conversão de setores intelectuais - anteriormente críticos do modelo de abertura - às opções do lulismo. Até a reprimarização de nossas exportações passa a ser vista, agora, por experientes ícones do pensamento cepalino, como não necessariamente ruim ou prejudicial ao país, frente à espetacular evolução dos preços de algumas commodities que exportamos. Antigos críticos da ortodoxia fiscalista passam a defender abertamente o superávit nominal das contas públicas. E contas mirabolantes se generalizam procurando demonstrar que um brasileiro com renda per capita familiar acima de R$ 130,00 por mês já pode se considerar integrante de uma ascendente classe média.
No plano internacional, a imagem do país e de Lula também é reforçada por operações da mídia que procuram exaltar a correção de rumos da economia brasileira. As escolhas do Brasil, como país-sede da Copa do Mundo de 2014, e do Rio, como sede dos Jogos Olímpicos de 2016, parecem contribuir para a crença que, enfim, chegou a nossa hora, independentemente dos enormes riscos financeiros e absurdas exigências que passam a serem feitas pelas suspeitíssimas entidades que comandam esses eventos.
Mas tudo, na verdade, tem o seu preço e significado.
A notória desnacionalização do parque produtivo brasileiro, a gritante precarização dos serviços públicos de educação e de saúde, os dramas do cotidiano urbano de nossas grandes cidades, ao mesmo tempo em que acumulamos uma dívida interna superior a dois trilhões de reais, junto com a retomada do processo de deterioração de nossas contas externas, não nos permite reforçar uma visão otimista do nosso futuro.
Ao contrário, mais do que nunca, a defesa de uma verdadeira independência para o Brasil está na ordem do dia.
09/09/2010
Paulo Passarinho é economista e conselheiro do CORECON-RJ
12 de set. de 2010
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