Definida a sucessão, é hora de rearticular as esquerdas socialistas e libertárias, onde estiverem - partidos, movimentos sociais, sindicatos -, para as lutas do tempo que nasce. Com a derrota de Serra, ao menos não teremos que nos preocupar com rompimento de relações na América Latina bolivariana. Não teremos que nos preocupar com um eventual retorno de ministros predadores como Paulo Renato, na Educação, e Lampréia, nas Relações Exteriores. Mas continuamos tendo pela frente o fantasma da doutrina macroeconômica de Henrique Meirelles - executada por ele, ou por quem o suceda. Ou seja; o combate contra o modelo aplicado há 16 anos, na defesa dos interesses e privilégios do sistema financeiro privado - reforçados pela ressurreição política de Antonio Palocci - se mantém como uma das prioridades das lutas sociais.
Nesse combate, atenção especial deve ser dada às Reformas Tributária, Política e Agrária. Estão aí os eixos fulcrais da luta de classes definidora de campos em função de seus objetivos estratégicos. Porque necessidade de reformas imediatas, todos dizem reconhecer. Resta definir no interesse de que segmentos sociais se manifestam. O que a direita quer não é reforma. É contra-reforma..
Na questão tributária, por exemplo, as esquerdas não podem mergulhar no cantochão da redução da carga ora imposta à sociedade, como propõem os porta-vozes da direita mais neoliberal. Não está aí o problema. O que está em pauta, para a esquerda comprometida com a visão da necessidade estratégica do socialismo libertário é a distribuição dessa carga. Fazer pagar aos que se locupletam em patrimônios privados, ou nas predatórias especulações financeiras, e aliviar a pressão sobre produção e consumo. Aliviar a pressão, principalmente sobre baixos e médios salários.
Num sentido figurado mais direto, trata-se, sim, de colocar a planilha de cabeça para baixo.
Quanto à Reforma Politica, é premente lutar pela repolitização e democratização das práticas republicanas. É inadiável a aprovação do financiamento público de campanha, com voto de lista partidária, como instrumento mais eficaz no combate à hegemonia do poder econômico nos embates eleitorais. Como aceitar, só para citar um caso, que a mulher do atual líder do governo no Senado, Romero Jucá, tenha gasto para se eleger deputada federal um montante correspondente a nove vezes o que ela receberá de salário ao longo de todo o mandato?
É inadiável, também, a redefinição do papel do Poder Legislativo na elaboração orçamentária, se pretendemos um mínimo de avanço na moralização dos costumes no Congresso. Depois de quase duas décadas de aprovação das recomendações da célebre CPI dos anões, propondo a extinção das malfadadas "emendas individuais" , elas continuam a prevalecer no eixo da discussão de uma peça somente autorizativa. Torna-se premente que o Legislativo passe a compartilhar responsabilidades, no conjunto da obra, com o Executivo. Tornando o Orçamento aprovado no Congresso como definitivo, e dando aos parlamentares o poder de discutir todos os pontos, e não apenas se limitarem às obras em feudos eleitorais - obras nem sempre necessárias, mas espaços de malfeitos em parcerias com empreiteiras financiadoras de campanha.
Essa constatação abre caminho para a instalação imediata de uma séria auditoria da dívida pública - aliás prevista na Constituição de 88, e nunca levada a termo -; dívida pública essa que nos impõe um garrote em quase metade do orçamento anual da República para atendimento de despesas a ela inerentes. É por aí que reduziremos seu peso em relação ao PIB, e não por garantia conservadora de metas de superávit fiscal, como já ameaça Dilma Roussef.
É pela avaliação real da dívida pública que se poderá precisar o quanto ela é ilegalmente imposta ao povo brasileiro, hoje sacrificado em quase metade do orçamento anual da República para pagamento de suas despesas. Quase metade de um orçamento destinado aos cofres do sistema financeiro privado resultam numa limitação das despesas em Educação a meros 2,5%, e em Saúde a ridículos 5%. Isso para não lembrar que Cultura e Ciência e Tecnologia não chegam a receber 1%.
Vem, por fim, a Reforma Agrária, pauta essencial não somente para as relações sócio-econômicas no campo, mas também para uma reorganização ordenada e democrática dos grandes centros urbanos. Vale recordar que, em 1970, éramos "90 milhões em ação, prá frente Brasil...", onde apenas 20% viviam nas metrópoles, e 40% nas áreas urbanas. Hoje, nos aproximamos dos 190 milhões e a distribuição se inverte: apenas 20% nas áreas rurais. Fluxo migratório normal, em função do progresso industrial? Nem de perto. Fluxo migratório desordenado, por conta da priorização da política agrícola voltada para o agronegócio centrado em exploração de amplas áreas, ao custo de grilagens e espulsão de posseiros, por conta das prioridades na produção da soja e na pecuária de corte. Política evidentemente resultante em retrocesso, de retorno do Brasil à condição de exportador de matérias primas, em prejuízo da industrialização agregadora de valores.
Nesse fluxo migratório desordenado está, certamente, uma das razões da barbárie desorganizada que alguns tentam chamar de crime organizado, esquecendo que este está não nas comunidades carentes e ambientes miseráveis, mas, e principalmente, nos escritórios luxuosos de vidros enfumaçados, operadores de grandes operações financeiras, não raro com ampla cumplicidade no aparelho de Estado
Por último, nossa relação com as bases sociais conquistadas pelas políticas assistenciais do governo Lula, que votaram e elegeram Dilma Roussef.
Há contradições sobre as quais temos que operar com competência e paciência. No PNDH3 e no primeiro programa de governo apresentado ao TSE, as propostas essenciais, elaboradas e apresentadas por segmentos progressistas do PT, não tinham por que não ser por nós aprovadas. Controle social democrático das concessões públicas de rádio e tv; taxação de grandes fortunas e tratamento jurídico justo para ocupação de latifúndios por parte de sem-terras. Quem é contra isso na esquerda mais revolucionária?
É por aí que temos passagem. Por aí temos que fazer política e cobrar medidas que conduzam a transformações qualitativas da sociedade. É por aí que deve passar o PSOL.
Milton Temer é jornalista e diretor da Fundação Lauro Campos
7 de nov. de 2010
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