"Muitos movimentos sociais no Brasil são ligados ao PT e deixaram as ruas após a chegada do partido ao Governo", avalia o cientista político da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) Paulo Roberto Figueira Leal. A mesma observação é feita pelo diretor da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Oleg Abramov. "Os movimentos sociais fecharam-se em gabinetes e deixaram o contato direto com a população." O repúdio às bandeiras partidárias não foi uma surpresa para Victória Mello, militante do PSTU, diretora do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação (Sind-UTE) e da Central Sindical e Popular (CSP-Conlutas). Para ela, a rejeição reflete a frustração da juventude com os partidos tradicionais. "Os manifestantes cobraram de quem sempre prometeu um futuro melhor para a juventude, mas não cumpriu quando chegou ao poder." Por outro lado, Victória reconhece que a rejeição inicial às bandeiras "levantou a poeira" das organizações, que agora buscam participar das manifestações.
Na última semana, lideranças do PCdoB, do Sindicato dos Bancários e da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) mobilizaram representantes de entidades, associações de classe e segmentos organizados para debater agendas locais e traçar políticas para Juiz de Fora. A principal deliberação do encontro, ocorrido na quarta-feira, foi por garantir presença atuante nas manifestações. O avanço organizado da esquerda e a opção por somar suas bandeiras aos protestos soam como uma tentativa de recuperar espaço junto aos manifestantes, que não queriam que a voz das ruas fosse aparelhada por instituições. "Entendemos que este é um movimento justo e de pautas legítimas. Muitas dessas bandeiras de luta são as mesmas que, historicamente, sempre defendemos nas ruas. Não há razão para ficarmos de fora. Após reuniões em todo o país, decidimos ir para dentro do movimento, disputar o terreno e afastar qualquer tipo de pensamento fascista, que repudia os grupos organizados", avalia Péricles de Lima, diretor jurídico do Sindicato dos Professores de Juiz de Fora (Sinpro).
Bandeiras de trabalhadores voltam à rua
A rearticulação da esquerda foi bem recebida pelos manifestantes ditos apartidários nas ruas de Juiz de Fora. A convivência harmônica entre grupos distintos ficou evidenciada no ato da última quinta-feira, que culminou na ocupação de mais de 22 horas do plenário da Câmara Municipal. O coro "a nossa luta unificou, é estudante e trabalhador" foi repetido como mantra durante o protesto. Ao menos naquele momento, o caráter apartidário das duas primeiras manifestações, quando até 15 mil pessoas ocuparam as ruas da cidade, saiu de cena para dar lugar a um viés mais político, com grande concentração de bandeiras, que, no entanto, se diluíram ao longo do protesto e já não eram mais vistas no momento da tomada da sede do Legislativo.O presidente do PCdoB em Juiz de Fora, Geraldeli da Costa Rufino, quer a realização de um fórum municipal de lutas, com o objetivo de debater questões locais e permitir maior participação nas decisões políticas do município. "A participação popular já foi maior em Juiz de Fora, no tempo em que havia centrais regionais, que atuavam como subprefeituras e permitiam à comunidade tomar decisões quanto à sua realidade mais próxima. Aos poucos, queremos retomar essa realidade." O cientista político da UFJF Raul Magalhães pondera que a atual conjuntura não representa ameaça às legendas e organizações políticas. "Nada impede que partidos e movimentos sociais mudem, já que estão em crise de representação."
Lideranças rechaçam rejeição
De certa forma alvo das críticas direcionadas ao Governo Dilma Rousseff, o presidente do PT local, Rogério de Freitas, compreende a demanda das ruas como o desdobramento das conquistas da esquerda na última década. "É natural que, com uma economia mais saudável, mais emprego e uma distribuição de renda mais justa, as pessoas se unam novamente por saúde e educação. Quando a população atinge determinado patamar, entram em pauta outras reivindicações." Alheio a qualquer discurso restritivo, o secretário político do PCB, Luiz Carlos Torres (Kaizim), entende que o atual momento é da democracia. "Temos que lembrar que, assim como os movimentos sociais, os partidos não acordaram agora. Estamos na luta pelos direitos da população há muito tempo. Não podemos ser excluídos. Já vimos essa história antes, contra partido, na época da ditadura. Precisamos entender que todo movimento que vem para somar é válido."Má compreensão
Diretora de políticas educacionais da União Nacional dos Estudantes (UNE), Mirelly Cardoso relaciona a aversão das ruas à má compreensão dos manifestantes. "Os movimentos sociais estavam presentes porque suas bandeiras históricas, pelos direitos do trabalhador e melhorias na educação, constavam nas reivindicações. Pensar que eles queriam direcionar o movimento é um equívoco." O raciocínio é reforçado pelo vice-presidente do PSOL em Juiz de Fora, Álvaro Lobo. Para ele, no início, os manifestantes não souberam separar "o joio do trigo", no que diz respeito aos partidos políticos. "Com o andar da carruagem, parte dos partidos apoiará e encontrará apoio nas ruas. Nesta semana, já vimos diversas bandeiras de diversos movimentos e partidos, todas representadas de forma democrática."
FONTE: TRIBUNA.COM