Com um discurso inflamado, o presidente da Comissão de Direitos Humanos da
Câmara, Marco Feliciano (PSC-SP), ameaçou nesta quarta-feira (19) uma rebelião
da bancada evangélica --composta por 80 deputados-- caso o governo interfira na
votação do projeto conhecido como "cura gay". A mensagem foi dita quando o
deputado chegava para uma audiência pública da comissão.
Ao negar que a votação
da proposta tenha sido uma provocação às manifestações que tomam as ruas de
vários Estados, o deputado disparou ataques a ministra Maria do Rosário
(Direitos Humanos) que prometeu mobilizar o governo para evitar que a proposta
avance na Casa.
Feliciano recomendou "juízo para a dona ministra", disse que ela "mexe onde
não devia" e recomendou que ela procure a presidente Dilma Rousseff porque "o
próximo ano" tem eleições.
O projeto permite a psicólogos oferecer tratamento para a homossexualidade
--a chamada "cura gay", segundo os críticos da ideia, e terá que passar por
outras duas comissões da Casa. Feliciano nega que a proposta tenha essa linha.
"O governo sempre tenta barrar [projetos]. Isso acontece com todos os
projetos, não é somente com esse. É o jogo político", disse. "Queria aproveitar
e mandar um recado: dona ministra Maria do Rosário dizer que o governo vai
interferir no Legislativo é muito perigoso. É perigoso dona ministra
principalmente porque ela mexe com a bancada inteira", afirmou.
Segundo o deputado, a ministra deveria procurar a presidente Dilma Rousseff
antes de falar. "A ministra falar que vai colocar toda máquina do governo para
impedir um projeto. Acho que ela está mexendo onde não devia, senhora ministra
juízo, fale com a sua presidente porque o ano que vem é político", completou.
Em 2010, a campanha presidencial foi para segundo turno, sendo que um dos
motivos apontados foi a onda de boatos entre eleitores religiosos contra Dilma.
Ontem, a ministra condenou a votação da matéria na comissão. "O projeto
significa um retrocesso na medida em que não reconhece a diversidade sexual como
um direito humano. Quando se fala em cura, se fala na verdade que as pessoas
estão doentes", disse Rosário. "Somos cientes da responsabilidade de dialogarmos
mais para que o projeto não venha a ser aprovado."
Questionado sobre às críticas dos líderes da Casa de que não havia clima para
votação da proposta diante dele ser alvo das manifestações, Feliciano
desconversou. "Não tem nada a ver com as manifestações. O projeto estava para
ser votado há dois anos, e o projeto estava vindo sendo votado há dois meses.
Isso é regimental. Críticas fazem parte, um país democrático e funciona assim",
disse.
PROJETO
O projeto de decreto legislativo, de autoria do deputado João Campos
(PSDB-GO), suspende dois trechos de resolução instituída em 1999 pelo CFP
(Conselho Federal de Psicologia). O primeiro trecho sustado afirma que "os
psicólogos não colaborarão com eventos e serviços que proponham tratamento e
cura das homossexualidades".
A proposta aprovada ontem anula ainda artigo da resolução que determina que
"os psicólogos não se pronunciarão, nem participarão de pronunciamentos
públicos, nos meios de comunicação de massa, de modo a reforçar os preconceitos
sociais existentes em relação aos homossexuais como portadores de qualquer
desordem psíquica".
Na justificativa do documento, Campos afirma que o conselho "extrapolou seu
poder regulamentar" ao "restringir o trabalho dos profissionais e o direito da
pessoa de receber orientação profissional".
A votação é uma vitória da bancada evangélica, que tenta avançar com o
projeto há dois anos. Durante o debate, manifestantes exibiram cartazes com
frases contrárias ao texto. "Não há cura para quem não está doente", dizia um
deles.
HISTÓRICO
Desde o mês passado, a votação foi adiada ao menos cinco vezes, por
diferentes motivos - desde falta de quórum a pedido de vistas de congressista.
O relator do texto na Comissão de Direitos Humanos, deputado Anderson
Ferreira (PR-PE), foi favorável ao projeto. "A Psicologia é uma disciplina em
constante evolução e tem diversas
correntes teóricas, sendo difícil
determinar procedimentos corretos ou não, metodologias
de trabalho
apropriadas ou não", afirma o deputado em seu relatório.
"É direito do profissional conduzir sua abordagem conforme a linha de atuação
que estudou e prefere adotar. Também constitui direito do paciente buscar aquele
tipo de atendimento que satisfaz seus anseios", completa ele.
Para Ferreira, a mudança na resolução do Conselho Federal de Psicologia
reforça a "liberdade de exercício da profissão" de psicólogo.
A proposta é rejeitada pelo CFP. No ano passado, a entidade recusou-se a
participar de uma audiência pública realizada na Câmara para debater o projeto.
O conselho inclusive lançou uma campanha contra a ideia. A OMS (Organização
Mundial de Saúde) deixou de considerar a homossexualidade doença em 1993.
POLÊMICA
Desde que assumiu o comando da comissão em fevereiro, o deputado Marco
Feliciano enfrenta protestos de ativistas de direitos humanos que o acusam de
racismo e homofobia. Ele nega. Uma das críticas dos ativistas é que o deputado
beneficiaria os evangélicos na discussão da proposta na comissão.
No mês passado, em seu Twitter, Feliciano defendeu a inclusão do projeto na
pauta da comissão, afirmando que "não podemos fugir de assuntos como este". O
deputado ainda criticou a cobertura da imprensa sobre o assunto.
"A mídia divulga um PL [projeto de lei] como "cura gay" quando na verdade ele
não trata sobre isso, até porque homossexualidade não é doença", escreveu na
ocasião. "Esse projeto protege o profissional de psicologia quando procurado por
alguém com angústia sobre sua sexualidade", disse.
FONTE: FOLHA.COM
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