16 de nov. de 2013

Como se constrói um medo na sociedade

por Jean Wyllys

As tentativas de associar a homossexualidade à pedofilia são tão antigas quanto o ódio e a violência homofóbica, embora qualquer pessoa um pouco mais informada sobre o assunto saiba que, estatisticamente, na grande maioria dos casos, o abuso sexual de crianças é cometido contra meninas e os abusadores são pessoas da família: pais, irmãos, tios, avôs. Há abusadores gays, claro, assim como há médicos, garis, cabeleireiros, advogados gays, mas o fato é que são os abusadores héteros os responsáveis pelo maior número dos casos registrados de pedofilia – que é um crime gravíssimo – comprovando assim que esse transtorno não tem nada a ver com a orientação sexual. E boa parte dos casos denunciados de abuso sexual de meninos do sexo masculino é cometido, vale dizer, por padres e pastores, geralmente os mesmos que divulgam discursos de ódio contra os homossexuais. E contra fatos, não há argumentos.
Mas a estigmatização dos gays como potenciais pedófilos continua sendo usada para manter o preconceito e, principalmente, o medo contra nós.
Em seu livro “A palavra dos mortos”, o jurista Raúl Zaffaroni explica que quando um determinado grupo social é construído como inimigo e colocado como bode expiatório, “sempre se atribuem a ele os piores delitos que, certamente, com demasiada frequência, são os delitos sexuais” e acrescenta, como exemplo, que “quando o papado e o rei da França decidiram se apoderar dos bens dos templários, imputaram-nos de serem gays e lhes atribuíram um inventado ritual de iniciação e sometimento sexual”. Nas legislações homofóbicas repressivas que vigoraram ou ainda vigoram em muitos países, os gays são muitas vezes tratados como sujeitos perigosos para as crianças, abusadores em potência, pederastas, e existem leis que chegam ao extremo de punir “o homossexual que seja visto em público com um menor”, e os mesmos fantasmas são usados, com muita desonestidade, por aqueles que se opõem a adoção de crianças por casais do mesmo sexo, apelando ao medo e a calúnia.
Não é nada novo — e nem original. Os judeus também foram acusados de devorar crianças, e também os comunistas.
Por isso, não me surpreendeu quando os trolls contratados por lideranças fundamentalistas começaram a tentar vincular meu nome à pedofilia, com postagens criminosas nas redes sociais. Esses canalhas chegaram inclusive a inventar uma “entrevista do deputado Jean Wyllys à CBN” na qual eu teria defendido a pedofilia. É claro que a suposta entrevista não existiu e eu jamais defendi a pedofilia, que combato como integrante de uma CPI especial na Câmara dos Deputados. A própria emissora fez uma nota desmentindo a calúnia, mas as postagens dos canalhas continuam se espalhando no Facebook.
Nos últimos dias, recebi um e-mail desesperado de um militante do PSOL que me relatava o que está acontecendo na Paraíba com o ativista gay Renan Palmeira, presidente do Movimento do Espírito Lilás (MEL). O MEL teve a sede e casa de presidente invadidas e Renan foi acusado injustamente no “Disque 100? de repasse de drogas e iniciação de adolescentes em práticas pedófilas. Renan sofreu ataques à sua própria casa, com pichações e depredação. A acusação (anônima) de pedofilia e tráfico é instrumentalizada para provocar a repulsa e indignação da comunidade e promover a violência contra um ativista de direitos humanos.
E não é casual que se trate de um ativista gay e do PSOL, o partido que levanta as bandeiras da comunidade LGBT e dos direitos humanos no Congresso e enfrenta o fundamentalismo e seus aliados políticos. Há uma campanha cada vez mais evidente contra o PSOL, promovida pelas corporações políticas, religiosas, econômicas e de outro tipo que nosso partido — pequeno, mas coerente com as bandeiras que defende e destacado nos parlamentos e prefeituras onde pode mostrar serviço à população — sem dúvidas ameaça. Numa matéria desopilante, que parece lembrar os discursos do regime militar, a Folha noticiou no mês de junho (mês das históricas jornadas que lotaram as ruas do Brasil) que o serviço secreto da Polícia Militar investigava o envolvimento de militantes do PSOL na promoção de atos de violência, afirmando que se tratava de ações “semelhantes a atos de guerrilha” (!!). Um militante do PSOL de Porto Alegre, Lucas Maróstica, teve sua casa invadida e seu computador sequestrado e chegou a ser acusado de formação de quadrilha por realizar postagens no Facebook convocando às manifestações populares. Tempos que pareciam superados!
Voltando ao caso, de acordo com Renan, os atos de vandalismo já foram repassados para a Justiça Global, que encaminhou as denúncias para a OEA (Comissão Interamericana de Direitos Humanos), solicitando proteção. No mês de agosto, na época da XII Parada LGBT, o apartamento de Renan foi arrombado duas vezes, levando objetos pessoais, documentos e o computador. O mais estranho da situação, segundo Palmeira, é que num prédio com 40 apartamentos, apenas o dele foi arrombado — duas vezes —, o obrigando a se mudar de lá. A sede do MEL, que fica na rua Duque de Caxias, foi arrombada também duas vezes, antes e depois da Parada, obrigando também a entidade a se mudar para um local mais seguro. O outdoor da XII Parada da Cidadania LGBT de João Pessoa foi pichado com frases religiosas e, em outra campanha institucional contra a homofobia, o outdoor foi destruído.
As acusações caluniosas por pedofilia envolveram Renan e outros ativistas. O Conselho Tutelar fez a investigação e não encontrou nenhum indício da denúncia, mas em consequência dela, o MEL deixou de dar expediente público. Também aconteceu um assassinato: a transexual Shanayne Rodrigues Macena, de 29 anos, que disputou como candidata a vereadora as eleições de 2012 em Nova Floresta e participa do setorial LGBT do PT, foi assassinada brutalmente em 22/07/2012. De acordo com o presidente do MEL, os fatos retratam uma agressão e intimidações contra militantes LGBT e de direitos humanos na Paraíba.
Diante desses gravíssimos fatos, venho a público cobrar a intervenção de todos os órgãos públicos para garantir a segurança de Renan e de todos/as os/as ativistas que estão sendo caluniados, agredidos e ameaçados na Paraíba. É hora de acabar com a violência homofóbica promovida pelo fundamentalismo religioso. E é hora de que o governo federal pare de se omitir e assuma sua responsabilidade política como garante da democracia, das liberdades individuais e da vida e segurança dos brasileiros e das brasileiras.

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