"Mudar, mas sem mudar de lado", não cansava de dizer Apolônio de Carvalho (1912-2005), histórico combatente da luta democrática e socialista. Foi um dos fundadores do PT. Apesar de reverenciá-lo, Lula preferiu não seguir o conselho do velho amigo: mudou, mudando de lado, desde que exerceu a Presidência da República. A troca da barba pelo bigode parece coroar a homenagem àquele que considera um incomum, o senador José Sarney.
Não tem outra conclusão a se tirar de sua declaração no Congresso Nacional, quando da cerimônia de comemoração dos 25 anos da Constituição de 1988. Disse o ex-sapo barbudo, como apelidou Leonel Brizola:
"Eu tenho consciência que o senhor não teve facilidade, muito menos moleza. Quero colocar a sua presença na Presidência no período da Constituinte em igualdade de condições com o companheiro Ulysses Guimarães", discursou Lula.
Se Ulisses tivesse num túmulo, teria se revirado todo. Ele morreu, em 1992, num acidente aéreo de helicóptero, no litoral de Angra dos Reis. O corpo nunca foi encontrado.
Continua o ex-presidente Lula da Silva:
"Em nenhum momento, mesmo quando era afrontado no Congresso, o senhor levantou um único dedo, uma só palavra para criar qualquer dificuldades aos trabalhos da Constituinte" (Folha de São Paulo, 29/10/2013).
Com essa declaração, Lula tenta reescrever a história, mas ainda bem que os títulos honoris causa que tem recebido não lhe conferem credibilidade para isso: as pesquisas acadêmicas estão aí para que não viremos as páginas da história brasileira por conta tão somente de apoios eleitorais que se busca numa campanha.
Então Sarney não criou qualquer dificuldade aos constituintes para que se aprovasse o mandato de quatro anos para o cargo de presidente da República, inclusive o que ele herdou de Tancredo Neves, Lula?
Vejamos o que diz o professor Paulino Motter (UnB), em sua dissertação "O uso político das concessões das emissoras de rádio e televisão no governo Sarney":
"O boom da distribuição dessas concessões dá-se no período de José Sarney à frente da Presidência da República (...)
Durante a Constituinte, surgiram denúncias de que o presidente Sarney estava usando seu poder para expandir os negócios da família, tendo concedido canais a seus filhos, o deputado José Sarney Filho (PFL-MA) e Roseana Sarney. A deputada Cristina Tavares (PMDB-PE) levou esta denúncia à CPI do Senado encarregada de apurar as possíveis irregularidades nas concessões. A acusação provocou um veemente desmentido do deputado Sarney Filho (...) Mas, a despeito dos desmentidos, registros do Minicom (Ministério das Comunicações) comprovam que o presidente Sarney beneficiou familiares, parentes, amigos e aliados (...)
A duração do mandato de José Sarney foi definida pela Constituinte no dia 2 de junho de 1988, quando foi votada emenda do deputado Matheus Iensen (PMDB-PR), fixando o mandato de cinco anos, aprovada por 328 votos a 222, com três abstenções (...)
Dos 91 constituintes que foram premiados com pelo menos uma concessão de rádio ou TV, 82 (90,1%) votaram a favor do mandato de cinco anos para Sarney" (MOTTER, 1994, p. 97-104).
Então Sarney nunca criou qualquer dificuldade aos constituintes para que se aprovasse o mandato de quatro anos para o cargo de presidente da República? Talvez Lula esteja certo, Sarney não criou dificuldades, mas facilidades para se montar um grande monopólio das comunicações no Brasil e de sua família no Maranhão!
Como já ironizou o professor Francisco de Oliveira (USP) as bravatas lulistas, tal como essa da incomum participação de Sarney na Constituinte de 88: "menas, presidente Lula... menas!"
Em tempo
Algo semelhante deu-se com a homenagem da OAB/MA, no último dia 1º/11/2013, aos constituintes maranhenses de 1988. Juntou no mesmo saco aqueles que votaram a favor dos direitos do povo com aqueles que votaram contra os direitos trabalhistas (jornada de 40 horas, direito às férias remuneradas, estabilidade do servidor público etc), contra a reforma agrária, contra proteção da empresa nacional etc.
Uniu Edivaldo Holanda - nota zero, Edison Lobão - nota 0,75, Sarney Filho - nota 0,5 e João Castelo - nota 2,5, para ficarmos no exemplo dos piores avaliados pelo DIAP, na publicação "Quem foi Quem na Constituinte em defesa dos interesses dos trabalhadores", a José Carlos Saboia - nota dez, a Haroldo Saboia - nota dez, Antonio Gaspar - nota 9,25 e Jaime Santana - nota 8,5...
Fez bem o ex-deputado Haroldo Saboia ao rejeitar a homenagem, registrando: "(...) Não me resta, portanto, outra atitude senão, respeitosamente, declinar desta homenagem. E o faço na esperança de que o meu gesto estimule o estudo e a pesquisa pelas novas gerações, em especial pelos jovens advogados e estudantes de Direito, dos trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988, palco de grandes confrontos de ideias entre democratas e autoritários, progressistas e conservadores". Portanto: "menas" OAB, "menas"!
10 de nov. de 2013
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