3 de abr. de 2013

Guantánamo: Reclusos em greve pedem basta aos abusos dos EUA

 
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“Lá não se respeitam os direitos humanos. Podiam fazer conosco o que quisessem”, recorda Murat Kurnaz, ex-prisioneiro da base estadunidense de Guantánamo, localizada em um território arbitrariamente ocupado em Cuba há mais de 100 anos.
Depoimentos como o do jovem turco-alemão ilustram a atual situação daqueles que ainda permanecem presos no centro militar, aberto em janeiro de 2002 no sudeste do país caribenho contra a vontade de suas autoridades governamentais e povo.
Neste março é notícia internacional uma greve de fome iniciada por numerosos presos, fartos das péssimas condições, abusos e castigos humilhantes que sofrem na base estadunidense.
Seus protagonistas – em sua maioria cidadãos árabes – recorreram ao jejum desde o último 6 de fevereiro como forma de denunciar as contínuas violações aos direitos mais fundamentais de qualquer humano: ser tratados como pessoas e com respeito.
Um total de 166 estrangeiros está quase 11 anos presos sem enfrentar acusações concretas, isolados do resto do mundo, em um absoluto desamparo legal e expostos a vexações, incluídas cruéis modalidades de tortura.
Seis deles começaram o protesto, que em poucos dias se radicalizou e conseguiu somar a mais de 100 contra a aplicação de severas medidas disciplinares como o confinamento por tempo indefinido, os registros a pertences pessoais e confisco de cópias do Alcorão, livro sagrado dos muçulmanos.
Advogados dos detentos denunciam que o uso desses textos é considerado uma profanação à fé religiosa de seus seguidores, todos enclausurados no bloco chamado Campo seis.
Mas o Departamento de Defesa nega que o motivo real do incidente seja a utilização do Alcorão e se empenha em tratar com baixo perfil a greve, considerada já a mais extensa e de maior intensidade registrada nos cárceres de Guantánamo.
O Pentágono persiste, também, em disfarçar os números e só falam de trinta grevistas, 11 deles alimentados através de sondas e outros três hospitalizados por desidratação extrema.
Mas os advogados asseguram que o número real é de 130 prisioneiros e exceto alguns reclusos de maior idade, nenhum aceita os nutrientes que lhes são oferecidos pelas autoridades do cárcere e só bebem água.
Inclusive, o chefe do comando estadunidense na base disse recentemente que os reclusos iniciaram o jejum porque estão frustrados pela negativa da Casa Branca de fechar esse centro e admitiu também a crescente intensidade da medida de pressão.
“Estavam muito otimistas com o fechamento de Guantánamo. Aparentemente, ficaram devastados (…) quando o presidente (Barack Obama) retrocedeu nessa decisão. Sabemos isso porque nos dizem”, disse o general John Kelly para o Comitê de Serviços Armados da Câmara de Representantes.
Obama se comprometeu durante a campanha eleitoral de 2008 a fechar dita instalação, mas não cumpriu a promessa em seu primeiro mandato e também não tocou no tema depois de ser reeleito no ano passado para um novo período.
Por outro lado, os principais meios estadunidenses de imprensa mal tratam a greve e -quando o fazem- só destacam o financiamento previsto para renovar a base naval.
“Escutamos que aos advogados não lhes permite visitar aos réus. E mais, existe uma divergência grande entre o que dizem os advogados e a administração. Isso mostra que a administração ainda trata de silenciar a situação, não querem que se difunda. E isto significa que acontece algo grave”, indicou ao respeito Andy Worthington, jornalista e pesquisador britânico.
Enquanto isso, George Galloway, parlamentar do Reino Unido, disse que se um caso similar acontecesse em outro país, certamente os meios ocidentais teriam saturado os jornais impressos, rádio, televisão e Internet.
Pese ao silêncio midiático, a greve se expande e ganha espaço em canais de comunicação de diferentes partes do mundo que, inclusive, divulgam a horrível situação carcerária do campo de detenção desde sua abertura.
Além disso, dentro dos Estados Unidos membros do Testemunhas contra a tortura -organização defensora dos direitos civis – desenvolvem várias jornadas de jejum, vigílias e protestos pacíficos em Washington, Nova Iorque, Chicago, Los Angeles e outras cidades em solidariedade aos detentos em Guantánamo.
O grupo publicou uma lista com os nomes dos réus na instalação militar e pediu aos cidadãos norte-americanos enviar cartas aos chefes militares em protesto pelas arbitrariedades cometidas contra os prisioneiros.
O QUE É GUANTÁNAMO?
A base naval estadunidense de Guantánamo foi transformada em um cárcere depois dos atentados de 11 de setembro de 2001, para enclausurar ali pessoas capturadas ao amparo de uma suposta guerra contra o terrorismo internacional, lançada por Washington.
O centro é considerado um moderno campo de concentração onde à população penitenciária são aplicadas diversas modalidades de tortura como o isolamento em celas com temperaturas extremas ou manter os presos amarrados em posição fetal por mais de 24 horas sem alimentos.
Aqueles que conseguiram sair de lá coincidem em qualificá-lo como com uma versão refinada do terror contra a espécie humana, ao estilo dos métodos empregados pelos nazistas em Auschwitz, Dachau, Sachsenhausen, Buchenwald, Flossenburg, Mauthausen e Ravensbrück.
O campo de detenção dispõe de cortes militares que impõem penas de morte e cujas decisões são inapeláveis, aceitando como provas críveis as “confissões” conseguidas sob coação ou tortura.
Documentos filtrados pelo site alternativo Wikileaks revelaram o uso de práticas violentas dos interrogadores da Agência Central de Inteligência (CIA), obsidiados para conseguir confissões a respeito do falecido líder da Al-Qaeda, Osama Bin Laden, assassinado pelas mãos de militares estadunidenses.
Esse meio digital também fez público os casos do afegão Modulá Abdul Raziq e o saudita Mishal Awad Sayaf Alhabiri, alguns dos presos afetados por doenças psiquiátricas que cometeram múltiplas tentativas de suicídio e passaram anos atrás das grades antes de serem levados aos seus países de origem.
A base continua aberta pese à grande repulsa internacional e a denúncia permanente das atrocidades cometidas pela CIA e as forças militares estadunidenses.
Continua aberta ainda que represente uma enorme despesa para os contribuintes norte-americanos, pois cada interno custa ao orçamento estatal uns 800 mil dólares ao ano contra os 35 mil com os que se mantém um preso nos estabelecimentos penitenciários na União.
E continua aberta ainda que -como afirmam os analistas- seja um “buraco negro” em matéria de respeito aos direitos civis e só contribua para encher de vergonha a história da humanidade.

Yolaidy Martínez Ruíz é jornalista da redação América do Norte de Prensa Latina

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