No último dia 20 de março, o deputado Ivan Valente, líder do PSOL na Câmara, em pronunciamento no plenário da Casa, lembrou os 50 anos do golpe civil-militar que instalou a ditadura de 21 anos no país. Ivan, que durante o regime militar era militante do MEP (Movimento pela Emancipação do Proletariado), lembra o episódio mais sangrento que marcou a história do país, afirmando que o movimento de 1964 não foi uma revolução, mas um golpe de Estado. “Revolução é transformação radical da ordem econômica, política, social e cultural, o que não houve no Brasil. Bancos, latifúndios e capital internacional continuam mandando, enquanto os perseguidos eram aqueles que organizavam as ligas camponesas, sindicalistas, estudantes, trabalhadores e trabalhadoras, que passaram a apoiar o movimento pela mudança social e o projeto nacional que falava em reformas agrária, urbana, universitária e bancária. Esse movimento tinha grande apoio popular”, relembrou Ivan.
Leia abaixo a íntegra do pronunciamento.
50 anos do golpe de 1964: Ditadura nunca mais! Por mais democracia e direitos sociais
Subimos a esta tribuna para lembrar os cinquenta anos do golpe militar que sequestrou os anseios deste país por mais igualdade, respeito, solidariedade e justiça. É pela condição de participante da resistência à ditadura, de elemento clandestino, perseguido, preso, condenado pelo regime militar e posteriormente anistiado, que a história escrita pelos vencedores de 1964, os golpistas, agora é desmistificada.
“Me dirijo especialmente a todos os trabalhadores, todos os estudantes, e a todo o povo de São Paulo tão infelicitado por este governo fascista e golpista que neste momento vem traindo seu mandato e se pondo ao lado das forças da reação”. Este foi o apelo do deputado Rubens Paiva, na madrugada do dia 1º de abril daquele ano, na Rádio Nacional, com o golpe já em curso. No dia 10 de abril, Paiva teve seu mandato cassado após a edição do primeiro Ato Institucional. Em 1971, entre os dias 20 e 22 de janeiro, o deputado entrou para a lista dos mortos e desaparecidos políticos da ditadura militar brasileira.
O movimento de 1964 não foi uma revolução, mas um golpe de Estado. Revolução é transformação radical da ordem econômica, política, social e cultural, o que não houve no Brasil. Bancos, latifúndios e capital internacional continuam mandando, enquanto os perseguidos eram aqueles que organizavam as ligas camponesas, sindicalistas, estudantes, trabalhadores e trabalhadoras, que passaram a apoiar o movimento pela mudança social e o projeto nacional que falava em reformas agrária, urbana, universitária e bancária. Esse movimento tinha grande apoio popular.
Naquele momento, o golpe militar representou a vontade política da classe dominante brasileira e do imperialismo norte-americano, que deu início aqui à escalada de golpes pela América Latina. As outras ditaduras, seguindo o exemplo do Brasil, também fizeram milhares de presos, torturados e assassinados.
O projeto de modernização conservadora continua excludente. Até hoje, passados 50 anos, ainda não fizemos a reforma agrária, a desigualdade ainda é gritante, além de muitas outras condições necessárias para o amplo desenvolvimento do país que nos são negadas em meio ao discurso hegemônico da “governabilidade”.
A Comissão Nacional da Verdade, por sua vez, caminho com extrema dificuldade diante da falta de apoio político e da chantagem dos militares de pijama, que não aceitam a justiça histórica, condição para o bom funcionamento da democracia. O governo Dilma tem se recusado a sequer discutir a revisão da Lei de Anistia, refém que é da corporação militar e da ideologia que confunde justiça com “revanchismo”, assim como já fez o Supremo Tribunal Federal ao recusar sua revisão. Não basta que entidades do Brasil e do exterior, como a OAB, a Anistia Internacional e a Organização dos Estados Americanos (OEA), assim como a comissária da Organização das Nações Unidas para Direitos Humanos, condenem recorrentemente a omissão do Brasil em punir crimes considerados imprescritíveis.
O fato é que conquistamos a democracia, mas ainda somos reféns da mesma classe dominante de outrora. Como afirmou o professor Caio Navarro de Toledo, por ocasião dos 45 anos do golpe:
“Se o governo Goulart e os setores progressistas tiveram alguma parcela de responsabilidade pelo agravamento da crise política no pré-1964, deve-se, contudo, enfatizar que quem planejou e desencadeou o golpe contra a democracia política foram as classes dominantes – apoiadas por setores médios e incentivadas por órgãos governamentais norte-americanos (Embaixada dos EUA, Departamento de Estado, Pentágono e outras agências de segurança) – e pela alta hierarquia das Forças Armadas brasileiras.
Destruindo as organizações políticas e reprimindo os movimentos sociais de esquerda e progressistas, o golpe foi saudado pelo conjunto do empresariado (industrial, rural, financeiro e investidores estrangeiros), pela alta cúpula da Igreja católica, pela grande imprensa etc., como uma autêntica ‘Revolução’– com a virtude maior de ter sido ela um movimento ‘pacífico’ e ‘redentor’. Aliviadas por não terem de se envolver militarmente no país, as autoridades norte-americanas congratularam-se com os militares e civis brasileiros pela ‘solução’ que encontraram na superação da ‘crise política’ enfrentada pelo país. ”
Fazemos esse alerta para que não nos esqueçamos de que qualquer ditadura tem de ser execrada, porque acaba com a liberdade de organização, de manifestação e com o direito do povo de conquistar, a igualdade social e uma vida com dignidade. Sabemos perfeitamente qual é o papel dos militares e quanta ideologia anticomunista foi plantada neste país para justificar o golpe militar de 1964 e, posteriormente, os livros de história.
Decorridos 50 anos do início da ditadura no país, este é o momento para grande reflexão, mudança e mobilização social. Continuam na ordem do dia a reforma agrária, educação pública gratuita e de qualidade, melhoria da rede de saúde pública, bons empregos, renda, saneamento básico, moradia, liberdade e democracia.
Jango foi deposto na madrugada de 2 de abril de 1964, dois dias depois do início do golpe militar que deu origem a 21 anos de ditadura no país. Naquele dia, uma sessão do Congresso Nacional destituiu Jango sob o argumento de que ele estaria infringindo o artigo 85 da Constituição: “o Presidente e o Vice-Presidente da República não poderão ausentar-se do País sem permissão do Congresso Nacional, sob pena de perda do cargo”. Jango, naquele momento, viajava para o Rio Grande do Sul, a fim de buscar apoio e tentar evitar o golpe militar. Em vão. Deposto, o ex-presidente exilou-se na Argentina, onde morreu supostamente de infarto, em 1976.
Em novembro de 2013, o senador Randolfe Rodrigues apresentou, no Congresso Nacional, Projeto de Resolução que pretendia devolver o mandato de João Goulart. A proposta, também elaborada com em conjunto com o deputado Pedro Simon (PMDB/RS), contou com a assinatura de 27 senadores e 92 deputados, entre eles Chico Alencar (RJ) e Jean Wyllys (RJ) e o nosso mandato. O Congresso aprovou o projeto na madrugada do dia 21, anulado assim a sessão do Congresso de 2 de abril de 1964 que declarou vaga a Presidência da República.
Trata-se de um importante resgate histórico. Ao invés de tentar mudar a história, como acusaram alguns, a iniciativa serviu para acabar de uma vez por todas com qualquer aparência de “legalidade” no golpe perpetrado naquele dia. Saudosos da ditadura não podem mais se apegar a este vil argumento.
Como escreveu nesta semana o filósofo Vladimir Safatle, o resultado da ausência de uma política efetiva baseada na justiça de transição produziu análises que procuram amenizar a ditadura instalada no Brasil em 1964. Diz o filósofo: tais análises são dignas do puro e simples negacionismo, visando minimizar crimes contra a humanidade. Não por acaso, tais opiniões nascidas do esgoto do conservadorismo nacional abre as portas para marchas e atos comandados por neuróticos e “fetichistas de quartéis”.
Nossa homenagem aos que tombaram naqueles dias de 1964, aos que lutaram na resistência ao regime militar. A ditadura felizmente acabou, mas ainda há muito a conquistar. Sua luta não foi em vão.
Muito obrigado.
Ivan Valente
Deputado Federal PSOL/SP
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