14 de dez. de 2009

O consumismo e o desaquecimento humano.

Estudiosos da UFRJ, USP, Unicamp e Embrapa alertam: mantidas as condições do atual modelo econômico, até o fim deste século a Amazônia sofrerá perda de 40% da cobertura florestal da área sul-sudeste-leste, que se transformará em savana. O Rio Amazonas terá redução da sua vazão em até 30%, o rio Paraná em 53% e o rio São Francisco minguará 70%. No Nordeste, cuja temperatura aumentará até 8 graus, é prevista uma diminuição das chuvas entre 2 e 2,5 milímetros por dia até 2100! Isso afetará todo o país - lar de um quinto das espécies do planeta, espaço da maior biodiversidade da Terra.
Na contramão desse aquecimento, que só não acontecerá se mudarmos radicalmente o modelo de organização produtiva hoje vigente, há um esfriamento de valores constitutivos do ser humano.
A crise ambiental está na ordem do dia e nunca houve tanto debate sobre a doença do planeta. Para ser elevado, porém, ele precisa estar vinculado a visão de mundo, aos destinos da Humanidade, ao tipo de ser humano e de sociedade que até aqui forjamos e que aspiramos. Comprometer quem analisa.
É urgente questionar os estímulos da vida cotidiana no mundo urbano-capitalista. Somos permanentemente seduzidos pelo individualismo consumista, pela cultura da vaidade e da notoriedade, pela lógica do efêmero e da novidade, pela ânsia da compensação financeira. Cada um precisa ser um "vencedor" dentro do novo código da alma, que é o do "dize-me o que compras que dir-te-ei quem és". Afogamo-nos num poluído mar de necessidades artificiais.
Há um ser humano padrão constituído pela negação da esfera pública da existência e da política. Esta é, cada vez mais, atividade tecnificada, previsível, programada, sem dinamismo, prisioneira do ambiente de negócios e, nas campanhas das cifras milionárias. Não magnetiza, não atrai, não fascina e não alimenta os desejos da pessoa comum, do homo-consumericus. "Telemáquinas criadoras do consenso", na feliz definição de Joel Rufino dos Santos, preenchem o vazio do presente e do futuro. O grande ideólogo da atualidade é a publicidade que reforça a ilusão do ter.
Neste quadro dramático, cabe reiterar a urgência de uma nova sociedade, tópica e utópica, e sem divórcio entre valores idealizados e prática concreta, conjuntural. É preciso forjar novos paradigmas de pensamento, promovendo a "descolonização do imaginário", aposentando dogmas. Marx e Lênin, com suas formulações que seguem nos auxiliando para a análise da sociedade de classes, viveram num tempo em que inexistiam a energia atômica, a televisão, a indústria cultural, os sindicatos de massa, a matéria plástica, o computador... O proletariado de seu tempo, e mesmo o de meio século atrás, não é igual ao de agora.
Os setores mobilizáveis para as transformações sociais, na perspectiva de uma sociedade igualitária, são hoje mais amplos e diversos, por um lado. E mais dominados, por outro, pelas sutilezas da exploração, pelo vigor simbólico das forças da alienação. A indicação ao conformismo é eletrônica e massiva: neofatalismo. A imoralidade permanente do capital reside na exploração e alienação do trabalho, na reprodução da desigualdade (sob a farsa da "igualdade de competição"), na mercantilização de tudo, na chamada "ética das trocas pagas", na corrupção sistêmica - segundo a Transparência Brasil, 70% das empresas brasileiras gastam até 3% do seu faturamento anual com propinas.
Que forças sociais e indivíduos querem, de fato, buscar novos rumos para a Humanidade?

Chico Alencar é professor de história e deputado federal (PSol-RJ).

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