Pontos de uso do crack se proliferam
Retirada de usuários de áreas degradadas não tem surtido efeito, empurrando problema para outros espaços públicos e privados
Juiz de Fora enfrenta a proliferação de pontos de uso e venda de crack. Recentemente, São Paulo teve uma forte ação policial na área conhecida como cracolândia, o que colaborou para aumentar a polêmica sobre o comércio da droga e a crítica ao tratamento dado aos dependentes. No município, ações repressivas de retirada de usuários de praças, vias e espaços públicos também têm sido realizadas pontualmente, mas não impedem o retorno ou a migração dos dependentes para outros locais, e o que é pior, não acabam com o vício que atinge pessoas de todas as idades e classes sociais. A estimativa, conforme especialistas, é de que 95% dos usuários de drogas do município sejam dependentes do crack. Nas duas últimas semanas, a Tribuna circulou por diversas regiões e mapeou pontos de aglomerações de usuários, considerados "zonas quentes" da droga. No caminho, a equipe encontrou moradores de rua, pais de família, jovens de classe média, empresários, trabalhadores que abandonaram suas carreiras e se entregaram ao vício. Além de frequentarem bocas de fumo, estes dependentes usam a pedra sob pontes, em meio a matagais, lixo, às margens da linha férrea ou em construções abandonadas.
Até mesmo áreas nobres têm se transformado em espaço para uso do entorpecente. No Bairro Santa Helena, próximo à Praça Menelick de Carvalho, moradores e trabalhadores do entorno relatam o drama de ter que conviver com o tráfico e com os usuários. "Antes a presença era de garotos mais jovens usando maconha, mas agora, não. Eles têm usado de tudo, principalmente à noite", revela um porteiro da área. No quadrilátero formado pelas ruas Padre Júlio Maria, Farmacêutico Vespasiano Vieira, Howian e Leopoldo Schimitz, próximo ao Terreirão do Samba, região central, ponto de consumo já denunciado pela Tribuna, usuários de várias classes sociais frequentam o local. Eles chegam e procuram um morador da área, que entrega a droga. Um jovem ainda tentou se esconder debaixo de um barraco de lona improvisado, onde permaneceu alguns minutos. Um casal também foi flagrado entrando em um dos barracos. Mas, mesmo com o artifício das lonas, muitos fumam a pedra do lado de fora, ignorando os passantes.
Ainda na região central, o uso de crack tem acontecido nas imediações da Rua Francisco Maia, entre Francisco Bernardino e Benjamin Constant, no entorno do Mergulhão, e na Avenida dos Andradas, situação flagrada pela Tribuna no último dia 21, quando uma mulher e dois jovens se esconderam atrás de um veículo para fumar a pedra. Outros pontos próximos são usados para o consumo, como a Praça Senador Teotônio Vilela, no Vitorino Braga, e a extensão da Rua José Calil Ahouagi, nas imediações do albergue. "É frequente ver pessoas cheirando ou usando crack na latinha. A polícia passa, mas eles voltam depois a usar", contou um vigia, 40.
Também foram diagnosticados pontos entre os bairros Vitorino Braga, Ladeira e Manoel Honório. Na região conhecida pela própria polícia como área de venda de drogas, é possível perceber a movimentação intensa de jovens comprando o tóxico e procurando as pontes da região para o uso. Quem mora ou trabalha próximo relata o temor: "Muitos ficam no cruzamento pedindo dinheiro. Outros roubam pedestres só pra usar droga. Temos medo dessa situação", contou um trabalhador. Durante três dias, 2, 3 e 6 de fevereiro, a Tribuna esteve no local e presenciou o vaivém de usuários na ponte do Ladeira. Entre eles, dois jovens bem vestidos chamaram atenção, no dia 6, porque, além de adquirirem a droga, imediatamente acessaram a área sob a ponte do Manoel Honório para usá-la. Ainda na área, a vegetação na Rua Marechal Setembrino de Carvalho, entre o Ladeira e o Nossa Senhora Aparecida, serve de esconderijo aos dependentes.
Já na região Sudeste, a ponte do Bairro de Lourdes e praças da Vila Ideal e Santa Tereza são locais tomados pelo uso e tráfico do crack. Entre o Santa Tereza e o Poço Rico, uma travessa nomeada como Rua Margem da Central, rente à linha férrea, é ponto de consumo. "Usamos em qualquer lugar. Agora temos ido para o meio do mato mesmo para respeitar os vizinhos", contou G., 39 anos, que abandonou a família e sobrevive nas ruas como catador de papel. Em outro dia, no mesmo local, um homem, 34, foi flagrado no momento que iria fumar o entorpecente. Mesmo sendo de família de classe média e tendo estudado em bons colégios, ele encontrou o crack aos 14 anos e, desde então, frequenta pontos em busca da droga. "Vamos atrás em qualquer lugar e usamos onde for. Juiz de Fora está tomada. Não há restrição de bairros. Mas, por conta do crack, somos abandonados por todos, amigos, familiares. Não convivo com mais ninguém da minha família. Agora moro em um quarto sozinho na Zona Norte."
Construção abandonada
Uma edificação abandonada na Rua Euclides de Souza Lima, no São Dimas, Zona Norte, continua a ser usada como local de venda e uso de drogas, assim como o Terminal Rodoviário Miguel Mansur. Moradores da região temem os pequenos roubos. Ainda na Zona Norte, outro ponto é a margem da linha férrea, próximo à Rua Evaristo da Veiga. "É vergonhoso os trabalhadores terem que sair 6h para buscar o sustento honesto e ficar com medo devido ao risco de ser assaltado e agredido pelos viciados de crack", contou, por e-mail, um morador do bairro.
Especialistas consideram inócua repressão a usuários
Para especialistas e profissionais ligados à recuperação dos dependentes, a repressão sobre os usuários é inócua. O professor Telmo Ronzani, coordenador do Polo de Pesquisa em Psicologia Social e Saúde Coletiva da UFJF, diz que "é lamentável observar ações de 'limpeza' das ruas, como se essas pessoas não merecessem cuidados necessários. Isso só aumenta o estigma e afasta as pessoas de uma intervenção mais efetiva. Onde se tem a ação truculenta e repressora da polícia, a esfera possível de cuidado se inviabiliza. Os usuários apenas vão mudar de local de uso, vão se tornar mais resistentes a outras abordagens, e as pessoas não vão deixar de usar a droga."
Educador em São Paulo, autor de artigo recente sobre a ocupação da cracolândia, Gilberto Alvarez Giusepone, é enfático: "A droga é um problema que deve ser tratado com repressão policial apenas quando se trata de enfrentar e coibir o tráfico, e, mesmo assim, com estratégias inteligentes que impeçam os traficantes de dominar áreas da cidade e ameaçar as pessoas. Neste caso, a repressão policial é admissível, jamais para enfrentar usuários miseráveis e desarmados. Em São Paulo, o abandono da região permitiu que um lugar onde ninguém queria ir fosse ocupado por pessoas que a sociedade não desejava enxergar. Mas, como agora há interesse em se recuperar a região para expansão imobiliária, as autoridades municipais e estaduais querem simplesmente expulsar os dependentes, como se fossem dejeto humano", e completa: "A extinção de qualquer cracolândia só é possível se os usuários de droga puderem ser recuperados. Fora isso, o problema só estará sendo deslocado."
Trabalhando há 12 anos na recuperação de dependentes químicos de Juiz de Fora e região, Luiz Fernando Feitosa, coordenador da comunidade terapêutica Nova Esperança, no Linhares, aposta na mudança de foco do Poder Público. "A atitude é errada. Hoje as polícias ficam em cima dos usuários, mas eles são doentes. As forças de segurança não estão preparadas para lidar com a situação. O ideal era que mudassem o foco para os traficantes. Junto a isso, o ideal seria investir na prevenção de forma severa, formando grupos de dependência química nas escolas para lidar diretamente com as crianças, e a outra atitude é aumentar a rede de assistência em comunidades terapêuticas."
Tratamentos ainda são mínimos diante da realidade
A disponibilidade de tratamento para os dependentes químicos de Juiz de Fora ainda é considerada mínima diante da realidade. Hoje há oito comunidades terapêuticas na cidade, entretanto, em apenas três há vagas destinadas aos dependentes encaminhados pelo SUS. Funcionando há menos de quatro meses, o convênio de 32 vagas - sendo dez femininas e 22 masculinas - entre as comunidades e o Ministério da Saúde garante um tratamento mínimo. "São apenas 30 dias, prorrogáveis por mais 30, dependendo do caso. Praticamente não conseguimos nem desintoxicar o dependente neste prazo. O que tem hoje ainda é pouco, mas já houve um avanço", comentou o coordenador de uma das unidades conveniadas, a Comunidade Terapêutica Nova Esperança, Luiz Fernando Feitosa.
A ausência de leitos para atender a dependentes na cidade é questão antiga e levou até mesmo o Ministério Público a intervir. O problema se torna mais grave já que a cidade fica responsável por atender boa parte da demanda das cidades da região, como Chácara, Matias Barbosa, Coronel Pacheco, Bicas, entre outras. Pesquisa recente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) confirma que a droga avança em cidades de pequeno porte e áreas rurais, mas, em contrapartida, na maioria, não existe órgão de apoio aos usuários e familiares. Desta forma, a responsabilidade sobrecai nas cidades-polo.
Segundo a Secretaria de Saúde, em Juiz de Fora, além das vagas nas comunidades terapêuticas, cerca de 400 dependentes são atendidos, a maioria por conta do crack, na unidade do Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (Caps AD). Também há 32 leitos no Hospital Ana Nery.
Já o projeto em parceria com o Governo estadual "Aliança pela Vida", que prevê o acompanhamento de 500 usuários e dos familiares, está paralisado. Na primeira fase, somente 30 usuários começaram a ser assistidos. Também importante para a recuperação dos dependentes, o "Consultório de Rua" está em fase de implantação. Ainda conforme a Secretaria de Saúde, deve ter início em março a capacitação e o treinamento das equipes das unidades de atenção primária à saúde (Uaps) para atendimento aos dependentes químicos.
FONTE: TRIBUNA DE MINAS.COM
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