23 de mar. de 2011

Evolução da renda no governo Lula: cinco conclusões definitivas.


A divulgação dos dados de evolução da renda do Brasil pelo IBGE e a base de dados do FMI permitem algumas conclusões definitivas a respeito do desempenho da economia brasileira (renda) durante o governo Lula (2003-10).1
Primeira conclusão: fraco desempenho pelos padrões históricos do país.
O crescimento médio anual do PIB real é de 4,0% (quatro por cento) no governo Lula. Mais especificamente, 3,5% em 2003-06 e 4,5% em 2007-10. Mesmo no segundo mandato, a taxa alcançada não supera a média secular do país (1890-2010, período republicano, 4,5%). Portanto, o desempenho do governo Lula é fraco pelos padrões históricos brasileiros (ver Tabela 1).2
Segunda conclusão: muito fraco desempenho quando comparado com outros presidentes.
Desde a proclamação da república o país teve 29 presidentes (Vargas teve dois mandatos separados temporalmente). Neste conjunto, Lula ocupa a 19ª posição quanto ao crescimento da renda, ou seja, 18 outros presidentes tiveram melhor desempenho. Quando este conjunto é dividido em quatro grupos, Lula está no terceiro grupo. De outra forma, pode-se afirmar que Lula teve o 11º pior desempenho no conjunto dos mandatos presidenciais (ver Tabela 2).
Terceira conclusão: retrocesso relativo no conjunto da economia mundial.
No período 2003-10 três indicadores merecem destaque. O primeiro é a participação do Brasil no PIB mundial. Dados de paridade de poder de compra mostram que não houve alteração, A participação média do Brasil em 2001-02 é a mesma em 2009-10 (2,90%) (ver Tabela 3).
O segundo indicador é a posição relativa do Brasil no ranking da economia mundial quando se considera a taxa de variação real do PIB no período 2003-10. O Brasil ocupa a 96ª posição no painel de 181 países. Ou seja, dividindo este conjunto em quatro grupos, o Brasil está no terceiro grupo. O crescimento médio anual do PIB do país (4,0%) está abaixo da média (4,4%) e da mediana (4,2%) do painel mundial (ver Tabela 4).
O terceiro indicador é o PIB (PPP) per capita. Este indicador de renda para o Brasil aumentou de US$ 7.457 em 2001-02 para US$ 10.894 em 2009-10. Entretanto, a posição do país no ranking mundial piorou. O país passou da 66ª posição para a 71ª posição. Ou seja, houve retrocesso relativo (ver Tabela 5).
Quarta conclusão: país fortemente atingido pela crise global em 2009.
A crise econômica de 2009 teve alcance global. O Brasil é um país marcado por forte vulnerabilidade externa estrutural. O passivo externo bruto ultrapassou US$ 1.292 bilhões em no final de 2010.4 No período 2003-10 houve reprimarização da economia brasileira, inclusive com significativo aumento do peso relativo das commodities nas exportações brasileiras. Há evidência de que desindustrialização e maior participação do capital estrangeiro no aparelho produtivo também ocorreram no período em questão. A crescente liberalização financeira e o regime de câmbio flexível implicam maior instabilidade. O resultado é que a crise internacional atingiu fortemente o país em 2009. A queda do PIB real foi de 0,6%. No painel mundial o Brasil ocupa a 85ª posição segundo a ordem crescente da variação do PIB neste ano. Dividindo este painel em quatro grupos, verifica-se que o país está no segundo grupo dos mais atingidos. Ademais, a frágil posição brasileira é evidente quando se leva em conta que a taxa média (simples) e a mediana de variação do PIB do painel são 0,1% e 0,2% respectivamente. (ver Tabela 6).
Quinta conclusão: o processo de ajuste frente à crise global foi influenciado significativamente pelo ciclo eleitoral e oportunismo político em 2010 e não se sustenta em 2011-12.
Na fase ascendente do ciclo econômico mundial (2003-meados de 2008) o Brasil tem retrocesso relativo visto que sua taxa de crescimento da renda é menor do que a média e a mediana mundiais. No período 2003-08 a taxa média de crescimento real do PIB do Brasil é de 4,2% enquanto a média simples e a mediana são de 5,0% e 5,3% respectivamente (ver Tabela 7). Neste período o Brasil ocupa a 113ª posição (ordem decrescente) no painel de 183 países-membros do FMI. Em 2009 o Brasil é fortemente atingido pela crise global e sofre queda do PIB de 0,6%.
A contração da atividade econômica em 2009 facilita a recuperação da taxa de crescimento em 2010.3 Entretanto, em 2010 o vale do ciclo econômico internacional coincide com o auge do ciclo eleitoral brasileiro (eleições para presidente, governadores, senadores e deputados).
Oportunismo político e ajuste macroeconômico convergem perfeitamente na ótica do grupo dirigente.
O oportunismo político acarretou a extraordinária expansão do crédito, que estimulou o consumo e o investimento. Estas duas fontes de expansão da demanda agregada respondem, então, pelo crescimento do PIB e mais do que compensam o elevado vazamento de renda para o exterior via importações de bens e serviços. O aumento das importações também é políticamente funcional pois permite reduzir a pressão inflacionária. O vazamento foi superior à própria contribuição do investimento para o crescimento do PIB (ver Tabela 8).
A força expansionista da política creditícia foi aumentada pela política fiscal (gastos de consumo e investimento do governo), pela política de rendas (salário mínimo), pelas políticas sociais e pela política de forte apreciação cambial (importação de bens de capital). A apreciação cambial é responsável pela elevada contribuição negativa da demanda externa líquida (exportações menos importações) para o crescimento do PIB. Na realidade, em 2010 verifica-se significativo déficit nas transações correntes do balanço de pagamentos do país.
O resultado é o extraordinário crescimento de 7,5% em 2010. Ele é extraordinário não somente porque é significativamente mais elevado do que a média de todo o período 2003-10 (4,0%) como também representa uma subida igualmente extraordinária do país no ranking mundial. Em 2010 o Brasil tem a 24ª mais elevada taxa de crescimento do PIB no painel mundial.
O forte crescimento econômico em 2010 permitiu a reversão da recessão provocada pela crise global ao mesmo tempo em que foi funcional para os grupos políticos dirigentes tendo em vista o ciclo eleitoral. Por outro lado, há o agravamento dos desequilíbrios macroeconômicos. Além da pressão inflacionária, verifica-se a forte deterioração das contas externas.
Passado o período de eleições. os desequilíbrios macroeconômicos são, então, enfrentados com as medidas ortodoxas de políticas monetária, creditícia e fiscal restritivas. Em conseqüência, a expectativa é de não sustentabilidade de elevadas taxas de crescimento do PIB no médio prazo. O FMI, por exemplo, tem como previsão para o Brasil crescimento real do PIB pouco superior a 4,0% em 2011-12.4 Ainda segundo as previsões do FMI o Brasil deve ocupar posições próximas da média e medianas mundiais.
As taxas previstas para 2011-12 estão próximas da média do governo Lula (4,0%) e, conforme visto, estão abaixo da média secular do país (4,5%). Ou seja, no futuro próximo, como parte da herança negativa do governo Lula a expectativa é de fraco desempenho pelos padrões históricos do Brasil e nenhum avanço na posição internacional do país. Estes fatos tornam-se ainda mais graves com a trajetória de piora evidente das contas externas do país, com fortes desequilíbrios de fluxo e de estoque.

Em síntese, durante o governo Lula a evolução da renda do Brasil caracterizou-se por:
1) fraco desempenho pelos padrões históricos do país
2) muito fraco desempenho quando comparado com outros presidentes
3) retrocesso relativo no conjunto da economia mundial
4) país fortemente atingido pela crise global em 2009
5) o processo de ajuste frente à crise global foi influenciado significativamente pelo ciclo eleitoral e oportunismo político em 2010 e não se sustenta em 2011-12

4 março 2011

Notas:

1 Para análises abrangentes do governo Lula, ver L. F. Filgueiras e R. Gonçalves, A Economia Política do Governo Lula, Rio de Janeiro, Ed. Contraponto, 2007 e Os Anos Lula. Contribuições para um Balanço Crítico 2003-2010, Rio de Janeiro, Ed. Garamond, 2010.
2 Para detalhes sobre fontes de dados, ver R. Gonçalves, Análise comparativa do governo Lula: Resultados e metodologia, em http://www.ie.ufrj.br/hpp/intranet/pdfs/analise_comparativa_do_governo_lula_resultados_e_metodologia_28_abril.pdf.
3 Ver Bacen, Nota para a Imprensa, Setor externo, Tabela 60A, http://www.bcb.gov.br/htms/infecon/notas.asp?idioma=p.
4 http://www.imf.org/external/pubs/ft/weo/2011/update/01/index.htm.

Reinaldo Gonçalves é professor titular de Economia Internacional da UFRJ. Portal: http://www.ie.ufrj.br/hpp/mostra.php?idprof=77.

FONTE: FUNDAÇÃO LAURO CAMPOS

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