No início de novembro, a Tribuna fez um levantamento no site da Superintendência Regional de Ensino (SRE) e constatou que havia mais de 480 editais de designação para estes profissionais em aberto na região. Parte deles já estava com a data de término expirada, o que significa que não houve docente para ocupar a vaga anunciada e que os alunos ficaram sem aulas desta disciplina. Pela pesquisa da Tribuna, as matérias que mais precisavam de professores na área de cobertura da SRE, no período de consulta, eram matemática (102), português (73), história (34) e geografia (30).
De acordo com a assessoria de comunicação da Secretaria de Estado da Educação (SEE), o número apontado pela Tribuna é flutuante, já que as convocações podem ser cumpridas a qualquer momento e, com isso, o dado apresentado pode não refletir a atual situação das instituições. A assessoria informou, ainda, que há diferentes tipos de designação: algumas para substituir profissionais afastados por doença, outras por licença ou férias prêmio, entre outros motivos, ressaltando que o tempo de contrato também varia muito, podendo ser de poucos dias ou de um ano, por exemplo. A SEE destacou, ainda, que boa parte das vagas seria preenchida com convocação de concursados ainda este ano. Segundo a superintendência, há atualmente 1.050 professores de educação básica atuando nos 30 municípios da jurisdição de Juiz de Fora, dados que foram levantados no dia 6 de novembro.
Segundo a superintendente regional de Ensino, Belkis Cavalheiro Furtado, os editais são publicados no site para informar o maior número de pessoas possível. "Mas, muitas vezes, as publicações que estão no ar referem-se a vagas já ocupadas. Entre outubro e novembro, havia muitas vagas para substituição de profissionais que se candidataram a um cargo político, e muitas delas já voltaram a ser ocupadas por estas mesmas pessoas. Estamos fazendo esforços maiores para manter a página atualizada." Ela reconhece, entretanto, que algumas disciplinas realmente têm déficit de docentes. "De fato, áreas, como física e matemática, por exemplo, têm sofrido com a falta de profissionais disponíveis no mercado, e isso dificulta as contratações em alguns casos. Mas nossa prioridade é ocupar as vagas tão logo elas sejam abertas, para evitar prejuízos para os alunos."
Desvalorização
Para o coordenador de licenciaturas da UFJF, José Guilherme Lopes, o principal motivo para a carência de educadores é a desvalorização da profissão. "Falta muito investimento. A Lei de Diretrizes e Bases (LDB) prevê, entre outras coisas, o incentivo à titulação e à produtividade, mas acontece pouquíssimo na prática. Isso se reflete de várias maneiras, e uma delas é que a maioria dos professores da educação básica abandona a licenciatura nos primeiros cinco anos de exercício. Isso tudo aliado aos baixos salários, às más condições de trabalho e ao pouco reconhecimento da carreira de docente pela sociedade culmina nesse déficit que a educação vem enfrentando."
Carência se deve ao desestímulo
Para a coordenadora de comunicação do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE), Yara Aquino, o não cumprimento das designações se deve à escassez de estímulo à carreira de professor. "A baixa remuneração é apenas um dos motivos. Trabalhamos em péssimas condições infraestruturais, com salas pequenas e abafadas e em turmas enormes, onde o desgaste é muito maior, entre diversos outros problemas. O reflexo disso no quadro de designações se dá de duas formas: professores adoecem com mais facilidade, afastando-se dos cargos - muitas vezes, por tempo indefinido; e não aparece ninguém para substituí-los."O coordenador de licenciaturas da UFJF, José Guilherme Lopes, também argumenta neste sentido, destacando a necessidade de investimento estatal na educação. "É preciso dar condições maciças para que o profissional tenha formação inicial e continuada, além de fazer um esforço junto à sociedade para que os docentes tenham condições adequadas de trabalho. O Estado tem uma função central neste processo. Não basta só criar uma legislação, é preciso haver certificação de que ela seja cumprida." Segundo Lopes, é imprescindível que a discussão avance além de questões orçamentárias. "Temos um Plano Nacional da Educação que pode assegurar muitas melhorias, e a discussão da destinação de 10% do Plano Interno Bruto (PIB) para a educação também é muito importante. Mas nada disso terá grande impacto enquanto não houver ações efetivas, que promovam mudanças de comportamento em relação à docência."
Segundo a superintendente regional de Ensino, Belkis Cavalheiro Furtado, o Governo de Minas tem feito ações para valorizar a carreira de docente. "Ao longo dos anos, medidas, como o investimento em capacitações, e a instituição de remuneração unificada e jornadas extraclasse foram implementadas. Elas fazem parte de uma iniciativa que, a longo prazo, pode ajudar a reverter o desestímulo dos profissionais e melhorar as condições de trabalho.
Procura por licenciaturas em queda
Segundo a coordenadora de comunicação do Sind-UTE, Yara Aquino, o desestímulo em seguir a profissão também afeta o quadro de docentes de outra maneira: as universidades estão formando menos alunos de licenciatura. "Em todo o Brasil, cursos de pedagogia e diversas licenciaturas estão sendo fechados ou tendo número de vagas reduzido. Se há menos ingresso destes alunos nas universidades, a consequência é que haverá menos professores no mercado." Os números da relação candidatos/vagas da UFJF nos últimos anos confirma esta situação. Entre 2010 e 2011, quase todas as graduações que oferecem licenciatura apresentaram queda na demanda, bem como o curso de pedagogia.De acordo com Isabel Chaves Moraes, diretora da Escola Estadual Clorindo Burnier, esta é a principal razão para a falta de professores na rede. "As escolas têm autorização plena para lançar designações, o que falta é gente para cumpri-las, de fato. Mesmo os que se formam em licenciatura têm ido para outras áreas de atuação, onde podem ter uma remuneração melhor e menos desgaste físico. É o caso das cadeiras de matemática, física e química. Em quase todas as escolas estaduais, faltam professores nestes setores."
Segundo o coordenador de licenciaturas da UFJF, José Guilherme Lopes, a redução de universitários nas cadeiras dos cursos de licenciatura tem inúmeros desdobramentos negativos no contexto educacional. "Com a ausência de profissionais formados para atuar em salas de aula, muitas vezes, o Estado é obrigado a contratar bacharéis que têm o conhecimento técnico, mas não foram preparados para a docência, apenas reproduzem o conhecimento sem reflexão sobre este ato." Ele acrescenta que, como não têm formação de educadores, estes profissionais também não chegam a ser efetivados, portanto são ainda menos valorizados. "Tudo isso acaba fazendo com que os alunos de educação básica tenham contato com professores despreparados e desvalorizados e faz com que uma grande parte (senão a maioria) dos que teriam interesse em cursos de licenciatura optem por outras carreiras."
Diálogo
Segundo José Guilherme, um dos caminhos para a valorização da docência é o aumento do contato entre as instituições formadoras destes profissionais e o mercado de trabalho, isto é, as escolas. Ele aponta que existem atualmente projetos que já buscam o aprofundamento desse diálogo. "O Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid) do Ministério da Educação é voltado para alunos de licenciatura, que fazem estágio nas escolas públicas e se comprometem com o exercício do magistério na rede pública. O objetivo é antecipar o vínculo entre os futuros professores e as salas de aula da rede pública, visando à melhoria da qualidade de ensino." Ele aponta, entretanto, que ainda há pouca contrapartida para os professores em exercício. "O docente que está no mercado coorienta este universitário, dedicando certo tempo a ele, mas não há remuneração, gratificação ou enriquecimento de currículo. É importante trabalhar para que haja este tipo de reconhecimento."
Cronograma atrasado leva a transtornos
Na Escola Estadual Clorindo Burnier, estudantes de diversas séries estão com o cronograma letivo atrasado. "Ficamos um mês num entra e sai danado de professores de história e, com isso, a matéria ficou atrasada, porque ninguém ficava na escola. Me inscrevi no Programa de Ingresso Seletivo Misto (Pism) da UFJF, mas estou com medo de fazer e ir muito mal nas provas", conta uma aluna do primeiro ano do ensino médio, que preferiu não se identificar. "Sabemos que houve várias designações para matemática, mas ninguém se apresentou para assumir as aulas, e perdemos muito tempo do ano letivo", diz outra estudante do primeiro ano. No segundo ano, os alunos também procuram correr atrás do prejuízo. "Vou fazer o Pism, mas, em português, vou depender da sorte. Não adianta querer aprender agora se não tivemos aula quase o ano inteiro", conforma-se Laís, estudante do segundo ano do ensino médio.Na Escola Estadual Henrique Burnier, no Poço Rico, região Sudeste, o cenário é parecido. "Meu irmão tem deficiência e sempre falta professor para fazer acompanhamento dele. Com isso, ele tem 13 anos e não sai da segunda série do ensino fundamental, porque chega a ficar um mês em casa, quando não tem profissional que o atenda, mesmo dentro de uma turma", reclama a dona de casa Letícia Pires Corrêa. No ensino médio, também há carência de docentes. "Estamos há bastante tempo sem professor de matemática, tem amigos meus de outras escolas que aprenderam coisas que eu ainda nem sei o que são", revela um aluno do primeiro ano, que preferiu não se identificar.
Para tentar reduzir o impacto do não cumprimento de algumas designações, a saída é recorrer a alternativas. "Quando falta professor de alguma matéria, preenchemos com projetos, aulas extracurriculares, atividades que completem o tempo de maneira educativa. Infelizmente, há o transtorno do atraso da matéria e, mais tarde, de reposição destas aulas. Mas cumprimos tanto o calendário quanto o conteúdo curricular em sua totalidade", afirma a diretora da Clorindo Burnier, Isabel Chaves Moraes. No caso de alunos que participam de programas de ingresso, como o Pism e o Enem, outras medidas tentam contornar o problema. "Temos feito revisionais e aulas específicas para a preparação deste exame , para que os inscritos não sejam tão prejudicados."
Concurso
A superintendente regional de Ensino, Belkis Cavalheiro Furtado, reconhece o problema e afirma que há grande preocupação para que as vagas sejam ocupadas rapidamente. "Nos casos em que ninguém se apresenta, fazemos um trabalho junto às escolas, divulgando a vaga na instituição e por e-mails internos, para tentar agilizar o processo." Ela ressalta que todos os cargos só podem ser ocupados via edital ou concurso, não podendo haver contratos externos para cobrir a demanda. "Todo este transtorno deve ser contornado substancialmente com a utilização de um concurso realizado este ano, nomeação e posse dos aprovados prevista para o início do ano que vem."
FONTE; TRIBUNA.COM
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