Depois de uma greve que ultrapassou cem dias no ano passado, o Governo de Minas e os educadores estaduais já começam o período de negociações de 2012 cheios de arestas. E, desta vez, a tensão não se deve apenas aos embates motivados pelas divergências quanto ao cumprimento do piso nacional para o magistério, considerado constitucional em 2011 pelo Supremo Tribunal Federal (STF) - decisão que desencadeou a mobilização dos docentes no último ano. Agora, há um adendo à insatisfação da classe, embora quase passe despercebido no texto enviado ao Legislativo: dentro das mudanças propostas pelo governador Antonio Anastasia (PSDB), na semana passada, às carreiras de pelo menos cinco categorias de servidores do Estado, o penúltimo artigo atinge o tempo de serviço dos professores em sala de aula. Mal começou a tramitar e o projeto de lei já levantou controvérsias, pelo menos entre os profissionais de educação básica.
A mensagem do Governo, que deve ser debatida nessa semana pelas comissões de Constituição e Justiça (CCJ), Administração Pública (APU) e Fiscalização Financeira e Orçamentária (FFO), altera, entre outras coisas, o Estatuto do Magistério, criado em 1977, revogando a regra que atualmente permite o afastamento de professores que completem 45 anos de idade com 25 anos de regência de aulas. Na prática, a prerrogativa, considerada uma conquista pela classe, beneficia os educadores que já têm o tempo de serviço necessário para se aposentar, mas não possuem a idade mínima exigida para a aposentadoria. Com isso, eles podem se afastar ao menos da sala de aula e assumir atividades de orientador educacional ou outros papéis necessários ao funcionamento da escola. O tema é tão caro aos professores, principalmente desde a mudança na Previdência durante o Governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que a mesma reivindicação foi feita à Prefeitura de Juiz de Fora pelo Sindicato dos Professores (Sinpro) em relação à rede municipal de ensino no ano passado. Por isso mesmo, a proposta do Governo do estado de acabar com o benefício causou indisposição na categoria.
"Somos contra isso. É mais um direito que nos está sendo tirado, além de tantos outros", protesta a diretora do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação (Sind-UTE) em Juiz de Fora, Victória de Fátima Mello. "Em 2002, a reforma da Previdência trouxe enorme prejuízos para a educação, principalmente para aquelas professoras mais antigas que começaram a dar aula muito novas, recém-saídas do ensino médio, do curso de magistério. Em alguns casos, docentes passaram a ter que trabalhar mais dez anos antes de se aposentar. A possibilidade de se afastar da sala de aula e ficar na escola com outras funções pelo menos corrigia um pouco essa distorção." A dirigente sindical também critica o fato de o Governo ter encaminhado o projeto para a Assembleia sem antes discutir com a categoria. "Sequer conhecemos o projeto para saber se há outros ataques, mas a expectativa é sempre de muita preocupação."
Seplag diz que benefício onera cofres públicos
Ao ser questionada sobre a proposta, a assessoria da Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (Seplag) alegou que as regras constitucionais pertinentes à aposentadoria estabelecem que, para passar para a inatividade, o professor deve ter no mínimo 55 anos de idade e 30 de contribuição, se homem, ou 50 anos de idade e 25 anos de contribuição, se mulher, ou ainda, no caso de aposentadoria proporcional ao tempo de contribuição, 60 anos para o homem e 55 para a mulher, considerando-se, em todos os casos, o tempo de serviço prestado exclusivamente em funções de magistério. Em função disso, de acordo com o Executivo, "considerando o critério da idade mínima, uma professora pode ficar no mínimo cinco anos afastada da sala de aula antes de completar o tempo para aposentadoria; se for do sexo masculino, esse afastamento será de no mínimo dez anos até que o servidor se aposente". Assim, "para substituir os professores que se afastam da regência, é necessário promover designações ou nomeações, o que gera ônus para os cofres públicos e dificuldades para organização do quadro de pessoal das escolas." A assessoria da Seplag acrescentou ainda que, embora não tenha sido debatida com o sindicato da categoria, a proposta não afeta a situação dos professores que já se afastaram da regência. "Além disso, é relevante destacar que a proposta não implica nenhuma alteração nas regras de aposentadoria do professor."
Mudanças na saúde e na segurançaNão é só nas carreiras de educação que o Governo de Minas pretende mexer. O projeto, que deve ter tramitação rápida na Assembleia, uma vez que a pauta já foi destrancada depois de acordo entre a base e a oposição, também atinge as áreas de saúde e segurança pública. Na segurança, a medida é estender a carreira dos agentes penitenciários de cinco para dez graus, como costumava ser, de modo a ampliar as possibilidades de progressão. Já no caso da saúde, a proposta define critérios para reajuste dos ganhos de funcionários que exercem atividades classificadas como especiais e pertencem à Fundação Hospitalar de Minas Gerais (Fhemig).
Isso contempla auxiliares de serviço, técnicos e auxiliares de enfermagem. Segundo o presidente do Sind-Saúde, Renato Barros, essas categorias não eram incluídas nas negociações salariais com o Governo desde 2005 e, por isso, ele frisa que o Executivo está apenas corrigindo a redação da norma que havia sido modificada há sete anos, e não concedendo gratificação ou aumento de salário. A matéria também concede aumento gradual aos auditores, com 25,6% em agosto de 2012, 20,38% em agosto de 2013 e 16,93% em agosto de 2014. O texto prevê ainda a incorporação de parcela da Gedima, gratificação recebida por servidores do Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA) à aposentadoria.
FONTE: TRIBUNA DE MINAS.COM
FOTO: VIC (PRÉ-CANDIDATA A PREFEITA PELO PSTU)
Foi um acaso. Eu passava hoje pela Rio Branco, prestes a pegar o Aterro, quando ouvi gritos e vi uma aglomeração do lado esquerdo da avenida. Pedi ao motorista para diminuir a marcha e percebi que eram os jovens estudantes caras-pintadas manifestando-se diante do Clube Militar, onde acontecia a anunciada reunião dos militares de pijama celebrando o “31 de Março” e contra a Comissão da Verdade.
Só vi jovens, meninos e meninas, empunhando cartazes em preto e branco, alguns deles com fotos de meu irmão e de minha cunhada. Pedi ao motorista para parar o carro e desci. Eu vinha de um almoço no Clube de Engenharia. Para isso, fui pela manhã ao cabeleireiro, arrumei-me, coloquei joias, um vestido elegante, uma bolsa combinando com o rosa da estampa, sapatos prateados. Estava o que se espera de uma colunista social.
A situação era tensa. As crianças, emboladas, berrando palavras de ordem e bordões contra a ditadura e a favor da Comissão da Verdade. Frases como “Cadeia Já, Cadeia Já, a quem torturou na ditadura militar”. Faces jovens, muito jovens, imberbes até. Nomes de desaparecidos pintados em alguns rostos e até nas roupas. E eles num entusiasmo, num ímpeto, num sentimento. Como aquilo me tocou!
Manifestantes mais velhos com eles, eram poucos. Umas senhoras de bermudas, corajosas militantes. Alguns senhores de manga de camisa. Mas a grande maioria, a entusiasmada maioria, a massa humana, era a garotada. Que belo!
Eram nossos jovens patriotas clamando pela abertura dos arquivos militares, exigindo com seu jeito sem modos, sem luvas de pelica nem punhos de renda e sem vosmecê, que o Brasil tenha a dignidade de dar às famílias dos torturados e mortos ao menos a satisfação de saberem como, de que forma, onde e por quem foram trucidados, torturados e mortos seus entes amados. Pelo menos isso. Não é pedir muito, será que é?
Quando vemos, hoje, crianças brasileiras que somem, se evaporam e jamais são recuperadas, crianças que inspiram folhetins e novelas, como a que esta semana entrou no ar, vendidas num lixão e escravizadas, nós sabemos que elas jamais serão encontradas, pois nunca serão procuradas. Pois o jogo é esse. É esta a nossa tradição. Semente plantada lá atrás, desde 1964 – e ainda há quem queira comemorar a data! A semente da impunidade, do esquecimento, do pouco caso com a vida humana neste país.
E nossos quixotinhos destemidos e desaforados ali diante do prédio do Clube Militar. ”Assassino!”, “assassino!”, “torturador!”, gritava o garotinho louro de cabelos longos anelados e óculos de aro redondo, a quem eu dava uns 16 anos, seguido pela menina de cabelos castanhos e diadema, e mais outra e mais outro, num coro que logo virava um estrondo de vozes, um trovão. Era mais um militar de cabeça branca e terno ajustado na silhueta, magra sempre, que tentava abrir passagem naquele corredor humano enfurecido e era recebido com gritos e desacatos. Uma recepção com raiva, rancor, fúria, ressentimento. Até cuspe eu vi, no ombro de um terno príncipe de Gales.
Magros, ainda bem, esses velhos militares, pois cabiam todos no abraço daqueles PMs reforçados e vestidos com colete à prova de balas, que lhes cingiam as pernas com os braços, forçando a passagem. E assim eles conseguiram entrar, hoje, um por um, para a reunião em seu Clube Militar: carregados no colo dos PMs.
Os cartazes com os rostos eram sacudidos. À menção de cada nome de desaparecido ao alto-falante, a multidão berrava: “Presente!”. Havia tinta vermelha cobrindo todo o piso de pedras portuguesas diante da portaria do edifício. O sangue dos mortos ali lembrados. Tremulavam bandeiras de partidos políticos e de não sei o quê mais, porém isso não me importava. Eu estava muito emocionada. Fiquei à parte da multidão.
Recuada, num degrau de uma loja de câmbio ao lado da portaria do prédio. A polícia e os seguranças do Clube evacuaram o local, retiraram todo mundo. Fotógrafos e cinegrafistas foram mandados para a entrada do “corredor”, manifestantes para o lado de lá do cordão de isolamento. E ninguém me via. Parecia que eu era invisível. Fiquei ali, absolutamente sozinha, testemunhando tudo aquilo, bem uns 20 minutos, com eles passando pra lá e pra cá, carregando os generais, empurrando a aglomeração, sem perceberem a minha presença. Mistério.
Até que fui denunciada pelas lágrimas. Uma senhora me reconheceu, jogou um beijo. E mais outra. Pessoas sorriram para mim com simpatia. Percebi que eu representava ali as famílias daqueles mortos e estava sendo reverenciada por causa deles. Emocionei-me ainda mais. Então e enfim os PMs me viram.
Eu, que estava todo o tempo praticamente colada neles! Um me perguntou se não era melhor eu sair dali, pois era perigoso. Insisti em ficar, mesmo com perigo e tudo. E ele, gentil, quando viu que não conseguiria me demover: “A senhora quer um copo d’água?”. Na mesma hora o copo d’água veio. O segurança do Clube ofereceu: “A senhora não prefere ficar na portaria, lá dentro? “. “Ah, não, meu senhor. Lá dentro não. Prefiro a calçada”. E nela fiquei, sobre o degrau recuado, ora assistente, ora manifestante fazendo coro, cumprindo meu papel de testemunha, de participante e de Angel. Vendo nossos quixotinhos empunharem, como lanças, apenas a sua voz, contra as pás lancinantes dos moinhos do passado, que cortaram as carnes de uma geração de idealistas.
A manifestação havia sido anunciada. Porém, eu estava nela por acaso. Um feliz e divino acaso. E aonde estavam naquela hora os remanescentes daquela luta de antigamente? Aqueles que sobreviveram àquelas fotos ampliadas em PB? Em seus gabinetes? Em seus aviões? Em suas comissões e congressos e redações? Será esta a lição que nos impõe a História: delegar sempre a realização dos “sonhos impossíveis” ao destemor idealista dos mais jovens?
*Hildegard Angel é jornalista