Alberto César Araújo/Folhapress | ||
José Porfírio Carvalho, que vai falar à Comissão da Verdade |
Tive vários conflitos com os militares. Aquilo foi me chateando. Surgiu um concurso de auditor contábil no Serviço de Proteção do Índio, antes de a Funai ser fundada, em 1967. Fui o primeiro colocado.
Em Rondônia, conheci o sertanista Francisco Meirelles. Apareceu um índio nu, com arco e flecha na mão, foi a primeira vez que vi um índio na vida. De noite, pensei: esse povo precisa da minha ajuda. Larguei tudo para trabalhar com os índios. Me especializei nos bravos e valentes.
Quando cheguei a Manaus, encontrei o sertanista Gilberto Pinto Figueiredo Costa, ele tinha uns 30 anos. Éramos subordinados aos generais.
Nosso contato com os índios waimiri-atroari era para montar postos de defesa. Eles não queriam fazer amizade. Começamos a fazer trocas de presentes: flecha por facão, panela de barro por alumínio.
Em outubro de 1968, os militares contrataram o padre italiano Giovanni Calleri com a missão de amansar os waimiri-atroari para abrir a picada da estrada BR-174. O padre chegou à aldeia atirando de fuzil. Eram 11 pessoas, dez morreram flechadas.
Os militares diziam que boicotávamos a obra. Fiquei preso uma semana. Houve outro massacre em outubro de 1974, morreram mais seis pessoas da nossa equipe.
Fomos procurar o general Gentil Nogueira Paes, comandante do 2º Grupamento de Engenharia e Construção do Exército. Pedimos para parar a estrada. Ele disse: "Vou construir, mesmo que tenha que matar esses índios assassinos. Dei ordem para meter fogo". Saímos da reunião chorando, os índios não sabiam o que era estrada.
Em 21 de dezembro de 1974, o Gilberto recebeu aposentadoria à revelia. Fui transferido para Altamira [no Pará].
Naquele mês vim para Manaus me casar. O Gilberto era o padrinho. Após chamado dos índios, ele deixou o casamento e foi encontrá-los. No dia seguinte, estava morto.
A versão dos militares é que encontraram o Gilberto morto. Não vimos o corpo porque o caixão foi lacrado. Não sabemos se ele morreu flechado ou a tiro.
Quero que a Comissão da Verdade investigue o que aconteceu com o Gilberto.
Quando retornei a Manaus, em 1987, encontrei 375 índios na reserva [antes havia 1.500].
Eles disseram que houve ataques dos soldados. Prefiro que a Comissão apure, sem fazer alarde, e identifique como foram os métodos das mortes dos waimiri-atroari.
FONTE: FOLHA.COM
Nenhum comentário:
Postar um comentário