Depois de muita pressão social, a Câmara dos Deputados instalou, em agosto passado, a Comissão Parlamentar de Inquérito, proposta pelo nosso mandato, para investigar a dívida pública da União, estados e municípios, o pagamento de juros e amortizações, os beneficiários destes pagamentos e seu impacto nas políticas sociais do País. A CPI é uma vitória dos movimentos sociais e seus meses iniciais de funcionamento mostram que o Brasil precisa investigar com profundidade este mecanismo, que é o principal gargalo do desenvolvimento do país.
Tomando como referência apenas os governos dos dois últimos presidentes, a dívida interna brasileira aumentou 17 vezes. No começo de governo Fernando Henrique, ela era de R$ 61,8 bilhões. Em janeiro deste ano, atingiu a cifra de R$1,68 trilhões. Em 2008, considerando apenas os recursos da União, o país desembolsou 30% de seu orçamento somente com juros e amortizações. Se for computado o valor emitido em títulos públicos para a rolagem da dívida, o total de recursos em um ano é de 47% do orçamento. Em 2009, o valor gasto com a dívida equivale a 7 vezes os gastos com saúde, 13 vezes os gastos com educação ou 192 vezes os gastos com a reforma agrária. Portanto, ao contrário do que afirma a grande imprensa, este é o verdadeiro vilão das contas públicas.
Mas, em três meses de CPI, ficou claro quem quer e quem não quer investigar de verdade a dívida. De um lado, PSDB e DEM criam obstáculos para a aprovação de requerimentos essenciais para o andamento dos trabalhos, assim como para a convocação de personagens centrais na história da dívida, como o economista Pedro Malan,negociador responsável pela reestruturação da dívida externa durante o governo Collor e ministro da Fazenda nos dois mandatos de FHC. Do outro lado, o PT e os aliados da base governista, que detêm a maioria da comissão, omitem-se da investigação por conta da opção do governo Lula em dar continuidade à política econômica de FHC.
Outro obstáculo enfrentado é a tentativa de se impedir a investigação da dívida no período anterior a 1989, colocando uma pedra sobre a origem do endividamento externo agressivo ocorrido durante a ditadura militar. As CPIs anteriores realizadas no Congresso não investigaram, por exemplo, a emissão de títulos da dívida externa no exterior, por meio de instituições financeiras privadas na década de 70. É fundamental conhecer o valor líquido apurado pelo Brasil em tais operações, o valor das comissões cobradas pelas instituições financeiras intermediárias e demais condições não detalhadas nos decretos. Afinal, a dívida pública atual é fruto de sucessivas conversões e renegociações de dívidas anteriores, e a ausência da análise de seu ponto de partida e seus antecedentes prejudicará os trabalhos de investigação a que se propôs a atual CPI.
Um aspecto de ilegalidade que também dever ser aprofundado é o impacto da forte elevação das taxas de juros (juros flutuantes) por decisão unilateral do Federal Reserve Bank norte-americano, assim como a atuação de um Comitê Assessor, formado por 14 bancos, liderados pelo Citibank, que passou a funcionar como instância, por onde passaria todo o trâmite para a renegociação das dívidas externas brasileiras, pública e privada.
É importante ressaltar ainda que as respostas apresentadas pelo Banco Central à CPI até o momento revelam graves deficiências de controle interno do BC. Desde a ausência de contratos de negociação da dívida externa com bancos privados até contratos de negociação sem assinatura. Sem contar que muitas das informações solicitadas ao Ministério da Fazenda e ao Banco Central não foram enviadas satisfatoriamente, como informações sobre os credores da dívida interna e os fluxos de pagamentos, recebimentos e saldos anuais das dívidas externa e interna.
Apesar disso, as respostas e os depoimentos obtidos revelaram informações vitais até hoje bloqueadas aos movimentos, que comprovam que o Brasil poderia ter feito outra escolha política ao longo das décadas. Poderia, por exemplo, ter contido a explosão da dívida interna, resultado das políticas aplicadas desde o governo FHC, com a aplicação religiosa do receituário neoliberal, com câmbio flutuante, nenhum controle de capitais e juros exorbitantes, para atrair o capital especulativo e ganhar a confiança do mercado.
Já no governo Lula, a dívida pública seguiu crescente, sobretudo em função da opção de acumular reservas internacionais via emissão de títulos públicos, pagando para isso os maiores juros do mundo – enquanto recebe juros negativos pelas reservas internacionais. Diferentemente de muitos outros países, que possuem taxas de juros próximas a 1% ao ano, o Brasil pratica juros de 9%, remunerando o capital especulativo e fazendo a dívida explodir.
Tudo isso comprova a necessidade de prorrogação da CPI para além dos quatro meses de duração previstos no regimento. Esta é uma investigação urgente, que precisa ser aprofundada para mostrar os brutais impactos de sua centralidade na política econômica brasileira no desenvolvimento das políticas sociais, ambientais e na infraestrutura do país.
7 de jan. de 2010
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