Leo Lince
Sex, 21 de maio de 2010 10:07
Léo Lince
O tempo passa, o tempo voa, a bolsa sobe e desce, a crise finge sumir e reaparece, mas a lucratividade dos banqueiros continua numa boa. Na alta ou na baixa, no sujo ou no limpo e até no mal lavado, eles ganham sempre. Mandam e desmandam nos governos, regulam os que deviam regulá-los, seguem soberanos na fortaleza inexpugnável da tirania financeira que avassala o mundo.
Em todo e qualquer lugar, seja no Império Americano hipotecado, na tragédia grega ou nos pólos avançados da velha Europa, os protocolos da supremacia absoluta do capital financeiro continuam a girar as roletas do cassino. Por toda a parte, com a voracidade das matilhas, eles atacam sem dó nem piedade.
Aqui no Brasil, então, nem se fala. A cada trimestre os balancetes dos bancos registram recordes cuja superação parecia impossível. A regra, que se repete de maneira cronometrada, foi confirmada na safra atual. O lucro líquido declarado pelos maiores bancos privados brasileiros nos três primeiros meses deste ano alcançou um padrão estratosférico. Nunca, em tempo algum, o Itaú, o Bradesco e Santander ganharam tanto dinheiro.
Para evitar a sensaboria dos números, vamos nos limitar ao caso do Itaú Unibanco. É, por enquanto, o maior banco privado e declarou, para o trimestre, um lucro liquido de R$ 3,23 bilhões. Um aumento brutal, de cerca de 60%, em relação ao mesmo período do ano passado. Lucratividade espantosa: é o maior valor já registrado para um trimestre ao longo de toda a história do setor.
Uma conta simples, dando de lambuja os domingos e feriados, define o montante do lucro líquido diário: R$ 35,9 milhões. Logo, para efeito de comparação, um trabalhador de salário mínimo levaria quase seis séculos para amealhar uma quantia semelhante. Como Brasil foi "descoberto" em 1500, para equiparar ao que o Itaú lucra num dia, o nosso trabalhador hipotético teria que ter começado sua poupança na era pré-colombiana.
Uma disparidade absurda. Um retrato cruel do abismo que separa as classes sociais no Brasil de hoje. Não há ou, melhor dizendo, não deveria haver qualquer possibilidade de convívio sereno entre a consciência digna da cidadania e semelhante absurdo. No entanto, no torpor gerado pela morfina-dinheiro, o absurdo é tratado como parte integrante da paisagem. Natural como a explosão de um vulcão.
A roleta financeira que gira sem freios é a imagem mais precisa do horror econômico que nos governa. A propriedade que tem o dinheiro - de existir como valor separado de qualquer substância - está na base desta vertigem da pecúnia sem limites. A violenta concentração de poder materializado no dinheiro, hermafrodita que se reproduz na relação consigo mesmo (D-D'), explica muita coisa. A dívida pública, um Himalaia de juros sobre juros. A prevalência do financiamento privado de campanhas eleitorais cada vez mais caras. O tal superávit primário, que sacrifica direitos sociais e sucateia serviços públicos essenciais para garantir o pagamento religioso dos juros.
Montaigne, no célebre ensaio "Dos Canibais", relata a presença de índios trazidos do "Novo Mundo" recém descoberto para visitar a reluzente corte francesa. Ao invés de se embasbacarem com tanto luxo e riqueza, eles se espantaram foi com a desigualdade. Para eles, a brutal disparidade entre o palácio e as ruas não era natural. O sentimento igualitário do passado imemorial há de retornar no futuro utópico. Por enquanto, quando os bancos publicarem balancetes, por favor, tirem as crianças da sala para evitar o espetáculo obsceno.
Rio, maio de 2010.
Léo Lince é sociólogo e mestre em ciência política
24 de mai. de 2010
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