O pacote de infraestrutura, anunciado pela presidenta Dilma Rousseff, foi bem
avaliado por investidores nacionais e internacionais. Apesar da boa impressão
inicial, o governo caminha, agora, para o desafio de fazer o projeto andar,
principalmente, dentro do apertado cronograma estabelecido.
Sócia responsável pela área de Direito Administrativo e Regulatório do
escritório TozziniFreire, a advogada Claudia Bonelli destaca que é muito difícil
o governo conseguir cumprir com os prazos previamente estabelecidos para o
processo de licitação – Dilma prometeu concluir o processo em 13 meses para o
início das obras.
- A prática demonstra que é muito raro que esses cronogramas sejam atendidos
diz Claudia, nesta entrevista ao Poder Econômico.
Poder Econômico – Qual a sua avaliação sobre o pacotão de
infraestrutura anunciado pelo governo para ferrovias e rodovias?
Claudia Bonelli - A primeira avaliação que eu imagino que
possa ser feita é que o pacote gerou grande interesse do mercado, tanto interno
quanto externo. Temos sentido um movimento muito forte com o objetivo de
acompanhar e participar de futuros processos nesse pacote de concessões. De
fato, vamos ter muitas novidades aí. Temos como novidade as duas MPs que foram
aprovadas, uma com mudanças tributárias impactando a área de PPPs, e temos a EPL
(Empresa de Planejamento e Logística), que é uma empresa que não vai ficar
focada somente no trem de alta velocidade, mas tem um papel importante de
privilegiar projetos com escopo de intermodalidade. Claro que o pacote e as MPs
são promessas que precisam ser sedimentadas nos editais de licitação e que vamos
verificar ao longo dos anos. Mas eu compartilho com todo esse movimento que
tenho sentido no mercado de que o pacote é positivo. Se todo esse potencial
ficar refletido nos editais que vierem a ser lançados, tem muita coisa positiva
pela frente.
Poder Econômico – O governo previu, inicialmente, um prazo de 13
meses para a realização do processo licitatório e o início das obras. É viável
fazer todo esse processo nesse curto período?
Claudia Bonelli - A prática nos demonstra que é muito
difícil manter esse cronograma inicial. Temos de trabalhar com prazos,
obviamente. O governo tem de impor alguns prazos, mas em razão da natureza e das
regras as quais o governo está submetido, o cumprimento desses prazos é difícil.
Quando a modelagem estiver pronta, a minuta tem de ser encaminhada ao TCU e ali
pode existir uma gama de desdobramentos. Há ainda processos de controladoria.
Não temos no governo federal a agilidade que podemos ter em uma empresa privada.
Por mais que o governo corra e se imponha esses prazos o fato é de que ele mesmo
tem o dever de se submeter a etapas que estão fora do controle dele.
Poder Econômico – Alguns contratos de concessão de ferrovias serão
alterados ou até cancelados por conta desse novo pacote. Isso pode gerar grandes
disputas jurídicas e atrasar o andamento dos projetos?
Claudia Bonelli - O governo, em geral, tem ferramentas a sua
disposição para exercer essa “mão” sobre os contratos existentes. Não estou
falando de quebra de contratos. Temos alguns dispositivos que garantem ao
governo o direito de rescindir unilateralmente o contrato ou alterá-lo, desde
que indenize previamente os particulares prejudicados. Existe base legal para
isso que o governo deseja fazer. Se o governo mostrar um projeto que demonstre
os ganhos obtidos com as mudanças nos contratos, eles podem ser alterados. Claro
que temos a possibilidade de particulares buscarem meios para tentar impedir com
que o governo altere ou rescinda os contratos ou tentar paralisar esse processo.
Eles fizeram seus investimentos levando em consideração o contrato proposto. Se
vem um anuncio como esse do governo, eu imagino que eles não queiram aceitar
forma tão clara e alguns questionamentos podem acontecer, sim.
Poder Econômico – Recentemente, o presidente da EPL, Bernardo
Figueiredo, disse que o governo errou no primeiro modelo de licitação dos
aeroportos. Concorda?
Claudia Bonelli – O governo tem batido muito na questão da
característica dos operadores finais desses três aeroportos licitados. Não é
diferente do que já tinha acontecido com São Gonçalo do Amarante. Talvez
tivéssemos muitos pontos para discutir, como a participação da Infraero, o
interesse do governo. Simplesmente faço um processo licitatório na linha dos
anteriores, só apertando a qualificação dos operadores para ter mais nomes mais
robustos entre os vencedores ou vou tentar uma participação minoritária em um
aeroporto administrado pela Infraero? Com relação à modelagem, a questão é mais
complexa do que somente imaginar a figura de um operador mais robusto. Se
tomarmos como exemplo o que está acontecendo com o TAV, que é um edital em
andamento agora, já vemos que o governo já faz uma exigência um pouco mais forte
sobre a qualificação do operador, com mínimo de 10 anos de experiência. Isso
demonstra que isso é consenso. O governo reconhece que o resultado de Guarulhos,
Viracopos e Brasília não era o esperado. Os grandes operadores não apareceram
entre os vencedores e o governo quer mudar isso.
Poder Econômico – E qual seria o modelo ideal de participação da
Infraero para que esses grandes operadores estejam por aqui?
Claudia Bonelli - Eu imagino que a gestão de uma concessão
com um parceiro público, nos moldes feitos com a Infraero, é complexa. Mas na
prática o que verificamos é que, independente desse ponto, existiu um interesse
forte dos licitantes. Meu sentimento na primeira rodada é que a participação da
Infraero causaria alguns constrangimentos, mas na prática isso não aconteceu.
Uma vez posto que a licitação seria com participação minoritária da Infraero de
49% na concessionária, os grupos levaram isso em consideração e não desistiram
da concessão. Isso foi assimilado pelo mercado. A consequência disso a gente
passa a ver nos próximos anos. Como a Infraero vai se portar ao longo da
concessão? Como estamos ainda nesse processo de transição, não temos isso
incorporado na prática. Na ótica do advogado, eu acho, sem dúvida, que é mais
complexo e pode exigir um desafio maior dos grupos privados.
Poder Econômico – Mas uma participação menor da Infraero poderia
atrair um número maior de grandes operadores nas próximas
licitações?
Claudia Bonelli - Sem dúvida. Mas é engraçado, porque as
discussões estão seguindo mais na linha da não redução da participação, e até no
aumento da participação da Infraero, assumindo a posição de majoritária, com o
grupo privado como minoritário. Já se fala nisso. Mas é verdade que as empresas
privadas se sentiriam mais à vontade para operar como controladoras da
concessionária.
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