2 de set. de 2012

“Governo terá dificuldade para cumprir cronograma do pacotão”

O pacote de infraestrutura, anunciado pela presidenta Dilma Rousseff, foi bem avaliado por investidores nacionais e internacionais. Apesar da boa impressão inicial, o governo caminha, agora, para o desafio de fazer o projeto andar, principalmente, dentro do apertado cronograma estabelecido.
Sócia responsável pela área de Direito Administrativo e Regulatório do escritório TozziniFreire, a advogada Claudia Bonelli destaca que é muito difícil o governo conseguir cumprir com os prazos previamente estabelecidos para o processo de licitação – Dilma prometeu concluir o processo em 13 meses para o início das obras.
- A prática demonstra que é muito raro que esses cronogramas sejam atendidos diz Claudia, nesta entrevista ao Poder Econômico.

Poder Econômico – Qual a sua avaliação sobre o pacotão de infraestrutura anunciado pelo governo para ferrovias e rodovias?

Claudia Bonelli - A primeira avaliação que eu imagino que possa ser feita é que o pacote gerou grande interesse do mercado, tanto interno quanto externo. Temos sentido um movimento muito forte com o objetivo de acompanhar e participar de futuros processos nesse pacote de concessões. De fato, vamos ter muitas novidades aí. Temos como novidade as duas MPs que foram aprovadas, uma com mudanças tributárias impactando a área de PPPs, e temos a EPL (Empresa de Planejamento e Logística), que é uma empresa que não vai ficar focada somente no trem de alta velocidade, mas tem um papel importante de privilegiar projetos com escopo de intermodalidade. Claro que o pacote e as MPs são promessas que precisam ser sedimentadas nos editais de licitação e que vamos verificar ao longo dos anos. Mas eu compartilho com todo esse movimento que tenho sentido no mercado de que o pacote é positivo. Se todo esse potencial ficar refletido nos editais que vierem a ser lançados, tem muita coisa positiva pela frente.

Poder Econômico – O governo previu, inicialmente, um prazo de 13 meses para a realização do processo licitatório e o início das obras. É viável fazer todo esse processo nesse curto período?

Claudia Bonelli - A prática nos demonstra que é muito difícil manter esse cronograma inicial. Temos de trabalhar com prazos, obviamente. O governo tem de impor alguns prazos, mas em razão da natureza e das regras as quais o governo está submetido, o cumprimento desses prazos é difícil. Quando a modelagem estiver pronta, a minuta tem de ser encaminhada ao TCU e ali pode existir uma gama de desdobramentos. Há ainda processos de controladoria. Não temos no governo federal a agilidade que podemos ter em uma empresa privada. Por mais que o governo corra e se imponha esses prazos o fato é de que ele mesmo tem o dever de se submeter a etapas que estão fora do controle dele.

Poder Econômico – Alguns contratos de concessão de ferrovias serão alterados ou até cancelados por conta desse novo pacote. Isso pode gerar grandes disputas jurídicas e atrasar o andamento dos projetos?

Claudia Bonelli - O governo, em geral, tem ferramentas a sua disposição para exercer essa “mão” sobre os contratos existentes. Não estou falando de quebra de contratos. Temos alguns dispositivos que garantem ao governo o direito de rescindir unilateralmente o contrato ou alterá-lo, desde que indenize previamente os particulares prejudicados. Existe base legal para isso que o governo deseja fazer. Se o governo mostrar um projeto que demonstre os ganhos obtidos com as mudanças nos contratos, eles podem ser alterados. Claro que temos a possibilidade de particulares buscarem meios para tentar impedir com que o governo altere ou rescinda os contratos ou tentar paralisar esse processo. Eles fizeram seus investimentos levando em consideração o contrato proposto. Se vem um anuncio como esse do governo, eu imagino que eles não queiram aceitar forma tão clara e alguns questionamentos podem acontecer, sim.

Poder Econômico – Recentemente, o presidente da EPL, Bernardo Figueiredo, disse que o governo errou no primeiro modelo de licitação dos aeroportos. Concorda?

Claudia Bonelli – O governo tem batido muito na questão da característica dos operadores finais desses três aeroportos licitados. Não é diferente do que já tinha acontecido com São Gonçalo do Amarante. Talvez tivéssemos muitos pontos para discutir, como a participação da Infraero, o interesse do governo. Simplesmente faço um processo licitatório na linha dos anteriores, só apertando a qualificação dos operadores para ter mais nomes mais robustos entre os vencedores ou vou tentar uma participação minoritária em um aeroporto administrado pela Infraero? Com relação à modelagem, a questão é mais complexa do que somente imaginar a figura de um operador mais robusto. Se tomarmos como exemplo o que está acontecendo com o TAV, que é um edital em andamento agora, já vemos que o governo já faz uma exigência um pouco mais forte sobre a qualificação do operador, com mínimo de 10 anos de experiência. Isso demonstra que isso é consenso. O governo reconhece que o resultado de Guarulhos, Viracopos e Brasília não era o esperado. Os grandes operadores não apareceram entre os vencedores e o governo quer mudar isso.

Poder Econômico – E qual seria o modelo ideal de participação da Infraero para que esses grandes operadores estejam por aqui?

Claudia Bonelli - Eu imagino que a gestão de uma concessão com um parceiro público, nos moldes feitos com a Infraero, é complexa. Mas na prática o que verificamos é que, independente desse ponto, existiu um interesse forte dos licitantes. Meu sentimento na primeira rodada é que a participação da Infraero causaria alguns constrangimentos, mas na prática isso não aconteceu. Uma vez posto que a licitação seria com participação minoritária da Infraero de 49% na concessionária, os grupos levaram isso em consideração e não desistiram da concessão. Isso foi assimilado pelo mercado. A consequência disso a gente passa a ver nos próximos anos. Como a Infraero vai se portar ao longo da concessão? Como estamos ainda nesse processo de transição, não temos isso incorporado na prática. Na ótica do advogado, eu acho, sem dúvida, que é mais complexo e pode exigir um desafio maior dos grupos privados.

Poder Econômico – Mas uma participação menor da Infraero poderia atrair um número maior de grandes operadores nas próximas licitações?

Claudia Bonelli - Sem dúvida. Mas é engraçado, porque as discussões estão seguindo mais na linha da não redução da participação, e até no aumento da participação da Infraero, assumindo a posição de majoritária, com o grupo privado como minoritário. Já se fala nisso. Mas é verdade que as empresas privadas se sentiriam mais à vontade para operar como controladoras da concessionária.

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