26 de ago. de 2012

FUTURA PREFEITA DE JUIZ DE FORA EM ENTREVISTA A TRIBUNA DE MINAS


Quem ouve um dos discursos inflamados e taxativos de Victória Mello (PSTU) numa assembleia de professores das redes estadual e municipal pode ter a impressão de que se trata de uma pessoa impetuosa. Nada parecido com a Vic, mulher serena - apesar da fala rápida -, mãe de três filhos adultos e educadora de crianças pequenas, que chegou para almoçar com a equipe da Tribuna na última quarta-feira, no Marquise Bistrô Urbano, encerrando as sabatinas gastronômicas com os candidatos à Prefeitura. Quem está acostumado a escutá-la nos manifestos sobre os problemas da cidade também nem imagina que por trás de palavras tão contundentes sobre o município está uma voz que não nasceu nem foi criada em Juiz de Fora.
"Nasci em Santo Antônio do Pinhal, uma cidadezinha perto de Campos do Jordão, mas fui criada em Pindamonhangaba", conta, enquanto experimenta o risoto à parmegiana com filé de frango grelhado, acompanhados de suco de laranja. "Vim parar em Juiz de Fora porque meu ex-marido é engenheiro e veio trabalhar na Mendes Júnior. Na década de 1980, teve uma crise violenta, ele foi demitido em Pindamonhangaba e enviou currículo para um monte de lugar, inclusive Juiz de Fora. A gente brincava que queria qualquer lugar, menos Minas, porque Minas não tinha praia", ri. "Morávamos a uma hora e meia de Ubatuba, era só descer aquela serra linda. Mas foi para Juiz de Fora que a gente veio."
O primeiro contato foi de estranhamento. "Quando vim para Juiz de Fora eu achava que era tudo 'uai', 'sô'... Cheguei e encontrei todo mundo puxando o erre, alguns até puxando o esse, todo mundo torcendo para time do Rio... Pensei: 'Uai, onde que eu tô, sô?'", brinca. No entanto, foi longe do oceano e imersa no mar de morros da Zona da Mata mineira que Vic se tornou a dicotomia que é. "Sou completamente apaixonada por Juiz de Fora. Já tive oportunidade de voltar para a minha cidade e não consegui. Construí minha vida aqui."
Vida profissional e vida política. Embora seja sua segunda eleição (ela lembra que concorreu a uma vaga na Câmara pelo PT em 2000) e a primeira disputa pela PJF, Vic sabe que sua trajetória de militância sindical, partidária e social a faz a candidata mais experiente já lançada por sua atual legenda, que, em pleitos anteriores, teve nomes muito jovens, do movimento estudantil. "Num partido que pretende organizar a classe trabalhadora, as candidaturas não são pessoais. Mas gosto de dizer o seguinte: não sou uma política; sou uma mulher que faz política. Sou uma militante. E, como militante, cumpro as tarefas que meu partido me determina."
A pergunta óbvia não precisa nem ser feita; Vic se adianta. "Por que meu partido escolheu a mim? Exatamente porque venho das lutas. Porque tenho essa vivência de 20 anos de lutas, na educação e nos movimentos sociais e populares, ligados aos estudantes, à moradia, à questão da mulher. Para isso o partido me escolheu: para levar à classe trabalhadora um projeto para melhorar a vida dos trabalhadores."
Mesmo para uma professora de educação física, que se divide entre escolas do estado e do município, estabelecer essa conversa não é fácil. "Os trabalhadores estão extremamente desanimados com o cenário político, muito indignados com a corrupção. Nesse cenário, é difícil chegar e dizer: 'Sou candidata'. Muitos não querem ouvir. Tenho que dizer: 'Sou Victória Mello, sou uma professora, candidata a prefeita, temos um projeto para os trabalhadores'", relata ela, que todas às sextas-feiras, às 16h, vai panfletar para esse público na Praça da Estação, numa ação de campanha apelidada de "Hora 16", em referência ao número de legenda do PSTU.
A tarefa se torna mais árdua, ela admite, frente aos empecilhos para se unificar a esquerda. "Um problema que a gente tem é a questão do financiamento de campanha. Isso é importante para nós. Em Juiz de Fora, o PSOL tem uma política de não aceitar financiamento de campanha. Em outros lugares onde não tem essa política, não fazemos aliança", explica. "Chamamos também nossos companheiros do PCB, e eles colocaram que, embora não tivessem divergência com nosso programa nem com o nome que o PSTU estava lançando, preferiam candidatura própria, para colocar as propostas do partido. Nós lamentamos. Achamos que era importante ter uma unidade da esquerda porque amplia o diálogo com a classe trabalhadora."

Críticas à ordem política e às terceirizações

Foi por princípios assim que Vic deixou o PT em 2005, depois de mais de 20 anos de filiação. O ano exato dá a deixa: "O motivo foi o mensalão?". "Foi na ocasião do mensalão, mas na verdade não foi por causa do mensalão. Quando o PT começou a privilegiar mais a via institucional, eleitoral, lutamos muito tempo para que essa via não fosse a que sobressaísse. Prevíamos que haveria um distanciamento do núcleo de base, e o partido poderia enveredar pelos caminhos tortuosos da corrupção. Já vínhamos num processo de crítica, e aquele foi o momento da culminância", justifica, sem poupar a antiga sigla. "Vejo o PT hoje como um partido completamente adaptado à ordem. Para nós, do PSTU, o PT não tem nenhuma diferença do PMDB e quase nenhuma diferença do PSDB, haja vista agora o pacote de privatizações da Dilma, que foi inclusive elogiada pelos tucanos. É um vexame para os petistas."
Todavia, diante dessa pasteurização que menciona, qual a alternativa proposta? "Nosso modelo de gestão tem dois pilares: o primeiro é que o orçamento da Prefeitura seja totalmente direcionado para construir e garantir as necessidades básicas dos trabalhadores. Como fazer isso? Municipalizando o serviço público, retirando da mão da iniciativa privada a gestão da Prefeitura." O segundo ponto, completa, é o controle dos cidadãos sobre a Administração através dos conselhos dos bairros. "Esses conselhos populares terão plena autonomia, inclusive de destituir membros do secretariado que não estejam governando no sentido de garantir melhorias para os trabalhadores."
Os dois pressupostos sanariam problemas, segundo ela, advindos de questões como a falta de licitação no transporte público e as terceirizações na saúde e na educação infantil. "O que temos hoje? Transporte? Privado. É concessão pública, mas está na mão de empresas privadas. Sequer tem licitação. O mínimo da moralidade que poderia haver seria ter licitação", alfineta. "Há dados de que mais de 60% de todo o dinheiro gasto com saúde na cidade vai para o setor privado. É necessário estatizar a saúde, melhorar a educação, construir mais creches, pagar o piso salarial para os professores, construir moradias, fazer centros de cultura e lazer nos bairros. Isso só pode acontecer se desprivatizar a Prefeitura", afirma. "Mães trabalhadoras são obrigadas a tirar uma parcela considerável de seus salários para pagar uma creche privada, porque não tem creche para as crianças em Juiz de Fora. O trabalhador é sempre penalizado: ou porque não tem o serviço, ou porque tem que tirar uma fatia considerável de seu salário para buscar o serviço no setor privado." O repórter questiona: "Há dinheiro?". "Claro que tem dinheiro, 50% do orçamento federal é gasto com o pagamento dos juros da dívida. O orçamento da Prefeitura é de mais de R$ 1 bilhão. Mas o dinheiro vai para uma minoria, vai para incentivos fiscais para grandes empresas. E outra parte também vai para o setor privado através das terceirizações."
Chega a hora da sobremesa e, com ela, assuntos menos ácidos: o entusiasmo de Vic pelo vôlei feminino (ainda que, no corre-corre da campanha, não tenha conseguido acompanhar a final da seleção nas Olimpíadas) e seu gosto pela música, que inclui MPB, rock, blues e reggae. Até nesse quesito ela mostra paixão por Juiz de Fora, citando bandas da terra como Eminência Parda e Mitra. Lamenta, entretanto, o baixo acesso da população mais carente ou de periferia aos espaços culturais da cidade. "Espaço de lazer é para os setores médios da população ou para quem tem dinheiro. Eu vou ao Cultural Bar porque agora professor paga metade lá, e eu compro antecipado. O show do Alceu Valença na hora era R$ 100. Não posso fazer isso com meu salário de professora." A firmeza da opinião mistura-se com a pastosidade doce da goiabada, dicotômico como Vic. Ela preferia doce de abóbora, mas, independente do sabor, o paladar, ao contrário de suas posições políticas, está totalmente adaptado. Só faltou o queijo minas.


FONTE: http://eleicoes2012.tribunademinas.com.br/noticia/vic

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